Vulnerabilidades no ambiente digital para crianças e adolescentes

Qual é o limite para uso das ferramentas do mundo digital? Há um tempo específico que seja saudável e indicado para cada faixa etária? A partir de quantos anos é possível que uma pessoa navegue na internet, interaja nas mídias digitais com segurança? Quais são os efeitos do uso no desenvolvimento infantil e adolescente?

*Miriam Raquel Wachholz Strelhow
Psicóloga

Nas últimas três décadas, temos presenciado avanços tecnológicos incríveis. Esses avanços trazem inúmeras possibilidades, facilidades e benefícios, entretanto, apresentam desafios e dificuldades que precisamos aprender a enfrentar. Um desses desafios tem sido o uso excessivo e potencialmente prejudicial de dispositivos digitais pelas crianças e adolescentes.       

A pesquisa Ticks Online Brasil busca, desde 2012, gerar dados sobre o uso da internet por crianças e adolescentes entre nove e 17 anos. Produz indicadores confiáveis sobre as oportunidades e riscos acerca da participação online desses brasileiros (https://cetic.br/pt/pesquisa/kids-online/publicacoes/). O relatório com dados de 2024 indicou que 93% dos brasileiros de nove a 17 anos eram usuários da internet – cerca de 24,5 milhões de pessoas. O telefone celular foi o principal dispositivo utilizado para acesso à rede (98%), e entre os que utilizaram o celular, 81% afirmaram possuir um aparelho próprio. Dentre as principais plataformas digitais utilizadas, crianças e adolescentes indicaram acessar com maior frequência: WhatsApp (71%), YouTube (66%), Instagram (60%) e TikTok (50%). No relatório é possível acessar alguns dados específicos nas diferentes faixas etárias, bem como por região do país e sexo. Por exemplo, há diferenças entre meninas e meninos: 52% das meninas e 38% dos meninos têm perfis no TikTok; enquanto no Discord, 16% dos meninos e 1% das meninas possuem perfil próprio.

Essas plataformas são fontes de informação, promovem entretenimento, diversão, conexão e comunicação. Por outro lado, possuem diferentes riscos associados, especialmente para usuários mais novos. Esse panorama tem gerado preocupações especialmente para pais, educadores e profissionais de saúde, levantando questões que são novas para todos nós. Discussões têm sido feitas, pesquisas encaminhadas, regulamentações estão sendo buscadas. Especialistas têm tentado buscar respostas e apontar alguns caminhos.

Qual é o limite para esse uso? Há um tempo específico que seja saudável e indicado para cada faixa etária? A partir de quantos anos é possível que uma pessoa navegue na internet, interaja nas mídias digitais com segurança? Quais são os efeitos do uso no desenvolvimento infantil e adolescente?

O desenvolvimento humano é resultado da interação de diferentes aspectos individuais – da própria pessoa – e do contexto no qual essa pessoa vive. Portanto, para compreender o desenvolvimento de alguém é importante observar tanto as características individuais (idade, pré-disposição genética, temperamento, personalidade, valores…), quanto sua interação com as outras pessoas e com os diferentes contextos dos quais ela faz parte, por exemplo: família, escola, grupo de amigos, igreja, vizinhança, condições socioeconômicas, cultura. E precisamos aqui incluir também os contextos virtuais com os quais a pessoa interage.

A criança e o adolescente tanto influenciam seus contextos como são influenciados por eles. Por isso, é importante conhecer os fatores de risco e os fatores de proteção, tanto individuais como aqueles presentes em cada contexto. Entendemos que fatores de risco são aspectos do indivíduo ou do ambiente que aumentam as chances de dificuldades ou prejuízos no desenvolvimento, ou seja, aumentam a vulnerabilidade. Por outro lado, os fatores de proteção, tanto da pessoa quantodo ambiente, são aqueles que atuam contra os efeitos das vulnerabilidades, ou seja, protegem o desenvolvimento saudável.

Isso quer dizer que não há uma resposta única e simples que se aplica para todas as pessoas em relação ao que faz bem ou ao que faz mal. No caso da interação com as mídias digitais, temos sim alguns parâmetros sobre o tempo de uso (https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/24604c-MO__MenosTelas__MaisSaude-Atualizacao.pdf), por exemplo. Entretanto, não é possível concluir que “usar celular até duas horas por dia não faz mal para crianças e adolescentes. Usar mais de 4 horas por dia prejudica o desenvolvimento”.

       O risco maior não está no tempo de exposição à tela, mas no conteúdo acessado.

        Seria muito mais fácil se pudéssemos ter essas respostas bem objetivas e claras. Mas é uma relação complexa. Não é só o tempo de telas que vai trazer riscos ou não. A tela está sendo usada de que forma? O que está sendo visto? Com quem a criança ou o adolescente está interagindo? Quais são as informações que ela está apreendendo e quais está compartilhando? O que a criança ou o adolescente está deixando de vivenciar em sua vida real no tempo em que está no mundo virtual?

               É possível passar duas horas lendo livros online, pesquisando um tema de interesse ou aprendendo um novo idioma. É possível estar em um jogo com desafios saudáveis, ou estar em interação com familiares ou amigos próximos. Ao mesmo tempo, com poucos cliques, em menos de um minuto, a criança e o adolescente podem ser expostos a conteúdos ou vivenciar situações de risco de natureza violenta, sexual e comercial, por exemplo, ou serem abordados em uma conversa online por um desconhecido. Ao pesquisar sobre um tema, podem ser encaminhados para conteúdos falsos ou perigosos. Em poucos minutos, podem enviar uma foto própria ou receber ordens ou xingamentos de alguém. Desafios online rapidamente se disseminam nas diferentes plataformas, com alguns deles trazendo grandes riscos à saúde. Cada um desses riscos mereceria ser aprofundado e precisa ser conhecido pelos adultos.

               Pelas próprias características do desenvolvimento humano, crianças e adolescentes são mais vulneráveis no ambiente digital. Elas possuem avaliação de risco e percepções diferentes dos seus responsáveis. Pela imaturidade do cérebro, são impulsivos – com pouco controle de impulsos; pouca avaliação das consequências, especialmente a longo prazo. Também se tornam mais suscetíveis à hiperestimulação das informações rápidas, dos vídeos curtos e acelerados, podendo ter prejuízos na capacidade de atenção e concentração. Eles são curiosos, ávidos por conhecer o mundo, buscar informações, fortalecer suas amizades, estabelecer novos relacionamentos. Em geral, não possuem medo de explorar novos aplicativos, espaços virtuais, apertar botões diferentes. Especialmente a partir da pré-adolescência têm desejos por aventuras, novos desafios. Querem se sentir pertencentes ao grupo de amigos, não querem ficar “de fora”. Estão mais suscetíveis às comparações e opiniões alheias. A internet tem muito potencial para responder a tudo isso. Torna-se extremamente atrativa!

Como podemos lidar com tudo isso, então?

Uma possibilidade está justamente na busca por diminuir os riscos e aumentar os fatores de proteção!

– Estimular o uso saudável da internet de acordo com a faixa etária da criança/adolescente, buscando e mostrando alternativas.

– Acompanhar e amparar, fazendo a mediação do uso das mídias digitais.

– Especialmente para crianças e no início da adolescência: fazer uso da internet em um aparelho de acesso de todos, em um espaço coletivo da casa; evitar o uso desacompanhada.     

– Respeitar a classificação indicativa da idade para uso dos diferentes aplicativos, jogos e redes sociais. Por exemplo, recentemente, a indicação do Instagram passou de 14 para 16 anos; na plataforma Roblox, cada jogo possui uma indicação de acordo com suas características. A maioria é a partir de 12 anos, com muitos sendo a partir de 16 ou até 18 anos.

– Conversar e orientar a criança/adolescente em relação aos riscos e benefícios do uso da internet; considerar que se a criança usa uma rede social em que está exposta a conteúdos violentos e sexuais, por exemplo, precisa ser preparada para lidar com isso e reconhecer os perigos – se a criança não está preparada ainda para conversar sobre determinado assunto, então ela não deve ser exposta a esse tema livremente.

– Estimular a realização de atividades prazerosas nos contextos presenciais, especialmente propiciando a interação com a família e os amigos.

– Manter sempre uma comunicação aberta e acolhedora na família, para que a criança e o adolescente possam dividir suas dúvidas, medos, sustos, descobertas; e não tenham receio de buscar ajuda, quando for necessário. Deixe isso claro a eles: eles podem e devem buscar ajuda na família!

Você – adulto responsável – busque informações e esteja atento ao tema, para que as decisões sobre o uso dos dispositivos digitais pela família sejam tomadas com consciência e atenção. Caso tenha dúvidas sobre o tema ou não saiba o que fazer em alguma situação, procure orientação com a equipe da escola do seu filho ou com um profissional de saúde de sua confiança.

Esse é um tema complexo, novo, com o qual todos nós ainda estamos aprendendo a lidar. As famílias têm um papel importante na orientação e no cuidado com suas crianças e adolescentes. Mas a responsabilidade é de todos: escolas, igrejas, empresas, comunidade, governo. Por isso é, sim, um assunto que precisa ser conversado e debatido, e precisamos estar atentos para buscar alternativas de uso que sejam menos prejudiciais e possam propiciar um pleno desenvolvimento.  

*Dra. Miriam Raquel Wachholz Strelhow
Psicóloga
Professora na Pontifícia Universidade Católica, PUC
São Paulo, SP

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