A outra face do Cristo

Tive uma megafesta no meu aniversário! Mais de 150 pessoas vieram me abraçar e cumprimentar pelos meus 71 anos. Apesar da pandemia, foi possível receber este carinho todo dos meus amigos. Foram mensagens através do Facebook de minha esposa (ainda não tenho Facebook); através do WhatsApp, em mensagens de voz e por escrito; por telefonemas e por e-mails; além da família restrita que veio para o almoço. Foi muito bom ser lembrado por tantos, sendo este o meu primeiro aniversário desde que minha esposa e eu voltamos ao Brasil.

Dentre as muitas mensagens recebidas, vou destacar duas, como reconhecimento aos meus amigos e como incentivo aos colegas pastores pelo trabalho que realizam pela graça de Deus, sem esperar nenhuma recompensa e sem, muitas vezes, ver algum fruto do trabalho que fazem. Tive a felicidade de ser lembrado de dois momentos do meu ministério que me levaram a agradecer a Deus por ter sido seu instrumento na vida de muitas pessoas.

Minha amiga Fátima escreveu: Parabéns, querido pastor Walter, que nos mostrou a outra face do Cristo; aquele que nos salvou e abriga. Deus o abençoe sempre. Isto foi há mais de 30 anos, no final do meu ministério em São Paulo. Mas, com esta mensagem, me vieram muitas lembranças à mente: Como foi o primeiro contato com a Fátima… Como foram as visitas à sua casa e a aproximação com seu marido… o relacionamento com seus filhos queridos… Abrimos a Bíblia e compartilhamos o evangelho da graça salvadora pela fé em Jesus… Oramos juntos, diversas vezes… Muitas perguntas e tentativas de resposta… O começo da frequência aos cultos… Finalmente, a profissão de fé… E muitos outros detalhes e lembranças dentro de uma perspectiva missionária, vendo como Deus age no coração do ser humano pela sua Palavra e graça, conduzindo à fé em Cristo.

A outra face do Cristo. Sabemos que Lutero se debateu muito com isso. Procurando servir a Deus, só via diante de si o Cristo com uma espada na mão para castigar o transgressor, segundo a educação que tinha recebido. Por mais que se esforçasse, não conseguia cumprir a lei para merecer misericórdia. Se desesperava cada vez mais. Até que, como ele mesmo escreve anos mais tarde, “Deus teve pena de mim” e lhe mostrou a outra face do Cristo. Lutero escreve: “Eu odiava a expressão ‘justiça de Deus’, pois aprendi a entendê-la filosoficamente como a justiça segundo a qual Deus é justo e castiga os pecadores injustos. Eu não amava o Deus justo, que pune os pecadores; ao contrário, eu o odiava… Aí Deus teve pena de mim… Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, a fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: Através do Evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a justiça através do qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: ‘O justo vive por fé.’ Então me senti como renascido, e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente… Assim como antes eu havia odiado violentamente a frase ‘justiça de Deus’, com igual intensidade de amor eu agora a estimava como a mais querida” (Bíblia Sagrada com reflexões de Lutero, Romanos 1.7).

A outra face do Cristo. Quantas pessoas ainda lutam com este drama em suas vidas por terem sido mal orientadas. Veem apenas a face de um Cristo legislador e que castiga cada ato praticado contra os seus mandamentos. De um Cristo que só exige obediência e penitência pelos pecados cometidos. Ou veem o Cristo como alguém com quem se pode barganhar: Eu lhe dou isto e o Senhor me dá aquilo que eu tanto desejo: um carro novo, uma casa esplêndida… Ou um Cristo que serve apenas como exemplo de vida, como alguém que atingiu a plenitude da perfeição. Mas estas pessoas não têm a certeza do perdão e da salvação pela fé.

A outra face do Cristo; aquele que nos salvou e abriga.” Quanta certeza, quanta alegria, quanta liberdade no servir! É a beleza da graça divina! “Não tenho maior alegria do que esta, a de ouvir que meus filhos andam na verdade”, escreve o apóstolo João (3João 4). Faço minhas estas palavras quando vejo meus filhos espirituais, fruto do trabalho missionário em São Paulo e depois em outros lugares, andando na verdade. Não apenas a Fátima e o Fernando, mas tantos outros que fazem contato comigo ou que vejo no Facebook.

A segunda mensagem que quero destacar veio da minha amiga Carmen. Ela escreveu: Hoje vai um grande abraço para os dois (Lídia faz aniversário cinco dias antes de mim), desejando as mais ricas bênçãos de Deus para vocês e para toda a família. Foi o que pedimos em nossa oração hoje de manhã, Donaldo e eu… E como hoje também é o Dia do Amigo, relembro o dia de aflição que passei diante de uma porta de UTI, quando o então presidente da IELB tirou do seu tempo para me dar consolo e orar comigo. Um amigo assim é impossível esquecer. Ser lembrado em oração pelos amigos. Quanto conforto para um pastor! E nenhum pastor faz visitas pastorais buscando reconhecimento. Mas é gostoso ser lembrado por um gesto tão normal e espontâneo no ministério pastoral. O quanto vale a presença, um abraço, uma palavra amiga, uma leitura bíblica, uma oração, quando alguém está passando por dificuldades! E não precisa apenas ser o pastor. Amigo é quem se coloca ao lado do amigo na hora da aflição. Como diz a minha esposa: Eu não sei o que dizer numa hora dessas, de doença ou luto; mas sei o quanto são importantes o meu abraço e a minha presença.

E cada um que mandou uma mensagem e um abraço fez bater mais forte o meu coração, agradecendo a Deus por tantos amigos que ele mandou virtualmente para a minha festa de aniversário. Cada mensagem foi degustada lentamente, despertando mil lembranças e tempos passados que se renovam graças à tecnologia. Como a Carmen também escreveu: “Temos que agradecer a Deus os meios que a tecnologia criou, assim podemos nos ver e falar mesmo estando longe”. Podemos não nos abraçar pessoalmente; mas os laços de amizade são fortalecidos através destas mensagens.

Fica aqui a minha gratidão a Deus por esta grande família de amigos que ele nos deu, pedindo que cada um seja abençoado e fortalecido na situação em que se encontra.

Carlos Walter Winterle

Pastor emérito

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