“… vocês não quiseram” (Leia Mateus 23.37-39)
Jerusalém
Séculos distanciam o grande momento de Jerusalém, o reinado de Davi. Jerusalém é uma cidade humilhada, ameaçada, dividida. Nas ruas de Jerusalém cruzam-se os caminhos de cumpridores rigorosos de ordenanças (fariseus), respeitados conhecedores da lei (levitas), liberais atraídos por pensamentos novos (saduceus), puristas oriundos de cavernas no deserto (essênios), insatisfeitos que duvidam de tudo (céticos), idealistas contrários à matéria (neoplatônicos), artesãos, comerciantes, militares, políticos, rebeldes, doentes, ricos, pobres, paupérrimos, viúvas, desamparadas… Alguns aproximam-se de Jesus, valem-se do amparo, ouvem discursos, afastam-se, persistem na vida de sempre. Adesões permanentes são reduzidas. Nem os discípulos são de confiança. O mundo move-se como a areia dos desertos. A dispersão se agrava pouco depois com a queda das muralhas de Jerusalém no ano 70. A história é devastadora, fortalezas somem, restam ruínas. Perdemos a cada momento o que somos, o que nos ampara.
O Profeta
Quem nos chama? Um andarilho sem residência definida, personagem controversa, temido por autoridades eclesiásticas e civis. Proteção não o preocupa, confia na segurança quem vem de alturas sem limites. Soa a voz humanada, a Palavra que criou o universo e o sustenta. O Profeta, que fala a todos, tem palavras para cada um, mensagem diferente das opiniões divididas. Jesus recebe com afeto. O Redentor está perto, não demanda peregrinações. Os evangelhos registram dele falas públicas e conversas particulares. Jesus revela a verdade que está acima de todas as verdades, verdade que debilita divergências, verdade que vincula. Se acontecimentos levam à desesperança, convém levantar os olhos àquele que está acima do tempo e do espaço, acima da história. Jesus fala da justiça que é diferente de todas as justiças, justiça que não está registrada em código algum, justiça que transforma, justiça oferecida a injustos, justiça que reata laços rompidos, justiça que vem de um lugar inalcançável, justiça que nos reconcilia com Deus. Jesus – lugar em que justiça e verdade se revelam – compara-se ao que nos é familiar, a galinha que recolhe pintinhos.
Vontades
“Vocês não quiseram”. Chocam-se duas vontades. A vontade do reino Deus e as vontades cotidianas. “Vocês não quiseram” são palavras dirigidas a pessoas que admiram suas próprias realizações, contentam-se com soluções limitadas, destinadas ao enfraquecimento, à ruína. Quem se encerra em sua própria justiça, recusa a justiça de Deus. Os caminhos da terra, mesmo os mais bem traçados, terminam na morte. Contra o poder aniquilante da corrupção, dizemos no Pai-Nosso, “seja feita a tua vontade”. A vontade do homem vai do paraíso ao deserto, da vida à morte; a vontade de Deus leva do deserto ao paraíso, da morte à vida, realiza o impossível. Seja feita a tua vontade é a declaração de uma vontade renovada. Se nos afastamos da vontade que nos une, escolhemos vontades em conflito: afastam, ferem, matam. Se fazemos nossa a vontade que Cristo nos oferece, entramos no pacto da vida. As carreiras que convergem em Deus ampliam e multiplicam o projeto do Criador.
O convite
Jesus aguarda decisão. Não se entendam as palavras do Redentor como ordem, Jesus convida. Não assustem oscilações, nunca viveremos tranquilos. Atentos à voz que nos convida, o peso das dificuldades diminui. O convite acolhedor acompanha os que andam. A resposta ao que perguntamos soa a cada instante.
Acesse aqui a versão impressa.