Quando nasce uma mãe, nasce uma arqueira do Senhor. Seu filho é sua flecha – de certa maneira, parafraseando Gibran Khalil Gibran.
Ela cuidará de seu filho com todo amor que é possível. Dará a ele o seu leite. E junto com seu leite irão todas as suas bênçãos, toda a sua vida. Viverá todas as alegrias dele, suas conquistas, e cuidará dele. Viverá suas tristezas. Dores. Dores físicas, e ela cuidará dele. E todas as suas dores mentais, emocionais, e cuidará dele.
Há arqueiras coloridas. São exímias lançadoras de flechas. Treinam todos os dias para ter uma boa pontaria e conseguir a maior distância possível para que seu filho alcance o seu melhor. E quando o Senhor ordenar, lançarão seus dardos para o infinito, para o horizonte. E de longe, as arqueiras coloridas seguirão suas flechas. Tagarelas, falarão umas com as outras sobre suas lanças que, como elas, são coloridas. Essas mães verão o futuro – um arco-íris. E quando essas arqueiras morrerem, suas flechas continuarão lançando para o futuro outras flechas.
Existem as arqueiras vermelhas. Só vermelhas. São assim porque precisam de muita paixão, muito treino. O Senhor, todos os momentos, treina-as para que consigam, um dia, vergar muito as suas costas ao lançar suas setas. Seus filhos ficarão doentes. E o Senhor as prepara. Seus filhos morrerão antes delas, e elas se preparam. E chegado o dia, as arqueiras vergarão suas costas e, tão preparadas, apontarão seus arcos, suas costas inclinadas e, com seus olhos cheios de lágrimas, lançarão suas flechas. Elas voarão tão alto que o Senhor as apanhará e, ao seu lado, os filhos viverão. Essas mães não poderão seguir o futuro dos seus filhos, porque não haverá futuro. Elas continuarão vergando bem suas costas para tentar enxergar aonde seu dardo querido foi. Nos braços do Senhor!
E as arqueiras brancas. Só brancas. Silenciosas. Precisarão de muito mais treino. Sabem que a jornada será extremamente difícil. Treinam todos os dias. Vergam suas costas todos os dias. Choram todos os dias. Temem ter que usar suas flechas para o alto. Dolorosamente. Verticalmente. Mas caminham ao lado de sua flecha tão querida. Amparando, ouvindo, entendendo e temendo o pior. Brancas, porque não sabem explicar ao seu filho querido certos mistérios do Senhor. Pedem, desesperadamente, ao filho, que não cumpra o seu destino. Pedem ao Senhor mudança de rumo. Por momentos, o Senhor pode atendê-las. Elas ficam felizes, se iludem. Vivem um misto de felicidade e apreensão pelo futuro. Mas é momentâneo. E o dia chega. Infinitamente doído. Infinitamente fulminante. A realidade da sua missão volta.
A arqueira branca deixa de lado seu arco. Esquece seu treino, esquece suas costas vergadas. Pega seu filho tão querido, tão sofrido nos braços e, sentindo uma imensa dor em seu coração, entrega sua flecha nas mãos do Senhor.
Seu filho tirou a própria vida. E a arqueira branca guarda seu arco.
Vera Lucia Pavan Sorpreso, dia 5 de abril de 2021, dia em que guardou seu arco.
São Caetano do Sul, SP