No Sermão do Monte, Jesus distancia-se das multidões, dirige-se aos discípulos. Fala sobre a relação do homem com Deus, sobre a tarefa dos seguidores no mundo, sobre a alegria, sobre a dor, sobre o tempo… O Deus que se eleva acima do tempo dirige-se a homens que vivem no tempo. O tempo inquieta desde tempos antigos, observam-se os astros para medir anos, meses, dias e horas. Ponteiros avaliam tarefas e descanso. Cristo adverte: Não se preocupem com o dia de amanhã (Mt 6.34). Agora cuidamos de nós mesmos e dos que estão conosco, agora fazemos projetos, agora articulamos acontecimentos, agora recordamos sucessos e insucessos ocorridos no tempo que já passou, agora soa a palavra que nos ampara.
Cristo toma como símbolo as aves, elas têm qualidades que nos faltam. Os horizontes delas são mais amplos, leves e móveis. Por mais seguras que vivam, não sobreviveriam se não fossem sustentadas por uma visão bem mais ampla do que a que desvela superfícies em giros pelo espaço. Quem não tem tempo para observar o voo das aves, tampouco observa o colorido das nuvens quando o sol se põe, não se delicia com a brisa à sombra de uma árvore, ignora o sorriso das crianças. A falta de atenção ao que se passa em torno de nós amplia a ignorância sobre o que se passa conosco, agrava a angústia de horas vazias.
Se as preocupações com o amanhã amarguram o presente, perdemos o futuro e o presente. Má é a hora perdida. Estar em muitos lugares ao mesmo tempo é não estar em lugar nenhum. Olhos ofuscados por males de ontem, de hoje e de amanhã não observam a originalidade dos fenômenos cósmicos, as alegrias cotidianas, os recursos a que poderíamos recorrer. Ambiciosos, não contentes com o presente, ampliam o raio de ação, destacam a posse em lugar do cuidado, assumem responsabilidades superiores à força. A ambição amplia o mal. Quem pratica o mal, não escapa do mal, vive no mal. O mal ameaça o desenvolvimento da vida. A preocupação com o amanhã é obscurecida pela ignorância de circunstâncias vindouras. Há pessoas que se abismam em sonhos futuros para fugir de males presentes. Nada conclui. Horas vazias não se enchem com objetos, objetos nos deixam carentes.
Basta a cada dia o seu próprio mal. Que mal? A ação não concluída, faltas cometidas, projetos equivocados. De males passados nos alivia o perdão. Quem guarda males cometidos e sofridos em outras ocasiões carrega nos ombros peso inútil, letal. O perdão recebido e oferecido reconcilia, dispõe-se à reserva de energia para novos projetos. O perdão se destaca na oração que Cristo ensinou. Removida a hostilidade, elaboramos juntos ambiente acolhedor. Vem o cuidado com a saúde, com a sobrevivência. Volto-me a uma segurança mais forte que a perecível. O reino de Deus projeta luz sobre este reino, aguardo o amanhã como novo ato criador.
Se Deus cuida das aves como não cuidaria de nós? Longe dos olhos de Deus andamos às cegas. Por mais inventivos que sejamos, ameaçam-nos desinteligências, conflitos, doenças, fraqueza e morte. Conscientes dos limites, vivemos amparados por aquele que nos oferece possibilidades sem limites. Vivemos na justiça. A justiça nos é dada. Sentimos a justiça se Deus em cada minuto que passa. Sem a justiça de Deus, o tempo é vazio. Hoje mesmo estarás comigo no paraíso, responde Cristo ao que implora no último momento de vida; hoje, não amanhã.
Proclamamos a presença do reino de Deus quando abrimos os lábios para cantar, quando juntamos as mãos para orar, quando fechamos os olhos para meditar. Se vivemos na Palavra, experimentamos o agora sem limites.