A época em que se trocam presentes estimula recordar a parábola dos talentos. (Mt 25.14-30). Talentos são de ouro, de prata, de cobre. O valor varia de região a região, de época em época. Trocam-se talentos por alimentos, abrigo, campos, mercadorias, talentos pagam o trabalho de assalariados.
Talentos não significam nada fora da relação com Deus, com os outros, com o mundo, talento dos talentos é a vida, somos talentos vivos. O talento multiplica-se em talentos, a vida floresce em vidas. Percebo o doador quando experimento o dom. O Criador se apresenta como doador desde o momento em que soou a palavra que iluminou o universo. Nossa vida não se confunde com a vida do Doador. O Doador é o que não somos, o Doador nos excede, revela-se em nós e fora de nós. Talentos diferenciam uma ação de outra, distinguem uma vida de outra. Talentosos se destacam na agricultura, na pecuária, na indústria, no comércio, nas artes. A variedade de talentos nos torna interdependentes. Talentos que nos destacam de outras espécies aproximam-nos uns dos outros, preservam a natureza. Talentos agem, instruem, amparam, confortam, acolhem, salvam, talentos valem mais do que dinheiro, dinheiro se gasta, talentos se aperfeiçoam para o bem de todos. O talento de falar se dirige ao talento de ouvir.
O proprietário de uma fazenda confia talentos a administradores e se retira. O valor do talento aparece no momento da ação, da transação. Ao usar talentos, passamos do meditar, do contemplar, ao agir. Recebidos os talentos, chega o momento da responsabilidade. Enterrar talentos é loucura: “Louco, esta noite tomarão tua vida e o que tens guardado para que será?”. Diante do Doador, todos somos pobres, não somos tão pobres que não tenhamos nada para oferecer, o talento de sorrir multiplica sorrisos.
Quem nos confia talentos ausenta-se para nos dar oportunidade de desenvolvê-los, Deus abandona para que ganhemos. “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”, pergunta Davi. Deus abandonou o monarca para lhe dar oportunidade de refletir sobre seus deveres de governante, sobre seus atos, sobre sua produção poética. Sob o peso dos crimes da humanidade, o Redentor repete na cruz as palavras do soberano truculento. Abandonado, Cristo enriquece a humanidade com a vida que não tem fim. Na presença do Doador, somos todos carentes, no Doador somos ricos. Vivemos nele. Objetos perecem, talentos vivos prosperam.
O Doador distribui talentos para o benefício de muitos. Quem recebe um talento só não está em situação inferior, descubro naquele que recebeu um único talento o talento que me falta. Recebemos a ordem de nos amarmos uns aos outros, amo o outro nas deficiências dele e nas riquezas que administra. Reconhecer e aplaudir os talentos que não tenho é doar, é amar. Quem desenvolve o talento de tocar piano não pode simultaneamente desenvolver o talento de pilotar aviões. O reconhecimento dos talentos dos outros me leva ao conhecimento dos meus próprios, das minhas limitações, dos talentos que me faltam. A recompensa de doar reside no ato de doar, não se espere benefício ulterior; se não desenvolvemos os talentos que recebemos não temos nada a oferecer.
O pianista perde a habilidade de tocar quando deixa de desenvolver o talento que recebeu. A vida é uma sucessão de perdas e ganhos, perdemos a juventude e ganhamos a maturidade, perdemos a maturidade e ganhamos a velhice. Loucura é lamentar na velhice a juventude perdida. O Doador tem talentos para todas as idades, recebo na idade em que músculos enfraquecem talentos que jovens robustos ignoram. Cabe-me o dever de descobri-los, desenvolvê-los e levantar mãos agradecidas. Rebeldes distanciam-se do Doador; sem talentos, prosperam matanças, devastação, desespero. Preparamo-nos para festejar o Natal. O dom da vida repousa na Manjedoura de Belém, vida das nossas vidas, origem dos talentos que recebemos e oferecemos.