Em redes sociais circulam palavras neutras, mensagens endereçadas a todos, a ninguém em particular, convivemos com imagens, imagens para serem vistas e esquecidas. Onde encontrar ouvidos que nos escutem? A quem recorrer quando incertezas nos oprimem? Dificuldades nos deixam sem chão, sem teto, sem abrigo, sem amigo. Somos limitados, limitados são os que poderiam ajudar-nos.
Davi governou Israel num período de glória. Podemos considerá-lo realizado? Os salmos revelam um homem carente. Dificuldades? Nem ele sabe defini-las, declara-se rodeado por cães, por touros, por leões, por malfeitores. Nem todos os inimigos são exteriores, os interiores são os mais agressivos, Davi declara que os ossos se desconjuntam, o corpo se dissolve em água, o coração é de cera, a boca seca, a língua se imobiliza. Imagens da morte! Davi não pretende decifrar os mistérios do mundo, Davi é enigma para si mesmo, males corporais escondem sentimentos: dúvidas, insônia, angústia. Davi percebe-se cadavérico, morto. O corpo se imobiliza por falta de sentido. Davi sente Deus retirar-se de sua vida.
A angústia não é satisfeita por objetos; nascida em peitos ardentes, a angústia procura seres vivos, explicações para o desamparo. Lágrimas vertidas por olhos aflitos comovem, aproximam o sofredor de outros sofredores. A dor se renova como se renova a vida.
Em dificuldades políticas e bélicas, o rei sabe a quem recorrer, não lhe faltavam conselheiros nem resoluções para administrar o país, combatentes experimentados arregimentam braços para defender fronteiras. Para se recompor de abalos interiores, o monarca procura ouvidos que ouçam lamentos, gemidos.
As palavras que nos transmitem o salmo 22 são de um homem desamparado desde o momento em que foi lançado ao mundo. A natureza oferece alimento e abrigo a plantas, a animais, a natureza não explica o sentido da vida. Por que Deus se esconde? O homem pleno basta-se a si mesmo, fecha as portas ao socorro divino. Ao sentir-se fraco, o rei abre o caminho ao poder, poder que não vem dele, poder que excede todos os poderes.
Até aqui, este é o limite, disse o Criador a Jó, o atormentado não avança, limita-se a escutar os propósitos de Deus. E a terra prometida? Moisés morreu aquém. Todos lutamos para alcançar o que nos escapa. Frente ao inalcançável, a angústia gera a sede de presença orientadora, acende a esperança na Palavra, origem de possibilidades sem limites. Quem sou eu? Fora da Palavra, nada é meu destino. Instalados na Palavra, adquire sentido o que projetamos para nós mesmos e para outros. Origem da primeira luz que iluminou o universo, a Palavra fundamenta todas as palavras, pulsa em expressões amigas. Palavras vivas iluminam o caminho, chamam solitários ao convívio, alistam operosos na tarefa da renovação universal, transformam sofrimento em festa, divulgam a alegria de viver.
Assim como o guia da geração nascida no deserto, vemos a terra prometida à distância. A esperança nos leva a fronteiras abertas, lugar em que dores são substituídas por cantos de júbilo. O Redentor citou na cruz o salmo 22, na invocação do Redentor concentram-se as dores do mundo. Deus se revela na dor para aliviar a dor, para devolver a alegria. Em momentos de angústia, necessitamos da palavra do Pai, a palavra do Pai soa na voz do pai, na voz de amigos.