Quem vai cuidar de nós depois dos 60 anos?

Eu me alegro e me emociono quando vejo idosos, individualmente ou casais, sendo amparados e amparando-se mutuamente nos tempos finais de sua caminhada terrena.

Por outro lado, me dói muito no coração quando vejo idosos sendo jogados ou mal cuidados no fim de sua jornada aqui.

Será que tanto os bem cuidados como os malcuidados tem destinos pré-definidos para terem no fim da vida a melhor ou a pior das idades?

NÃO, NÃO E NÃO.

Se olharmos o Salmo 91, percebemos que o salmista, antes de escrever que Deus recompensará e dará vida longa, no versículo 18, afirma, no versículo 14, que “Deus diz: Eu salvarei aqueles que me amam…” .

Lembremos que Jesus não faz distinção, não dicotomiza (divide em duas partes) a lei: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, e amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A lei ou a vontade de Deus é um bloco só, poderíamos até dizer, em dois compartimentos.

Uma terceira idade harmoniosa e feliz, mesmo sujeita aos limites que a idade impõe, está diretamente relacionada a uma caminhada de AMOR, primeiro a Deus, segundo ao cônjuge e, terceiro, aos familiares. Podemos até dizer que este tripé é um requisito indispensável para que o fim da vida não seja um vale de lágrimas e angústias, mas de amparo e calor humano.

Quero compartilhar duas histórias verídicas, com as quais podemos aprender o que é ter cuidado ou não com aqueles que nos cuidam ou irão cuidar de nós depois dos 60, quando, talvez, voltaremos a ser como crianças: dependentes da bondade alheia.

O primeiro episódio era um casal de idosos, membros da Paróquia que eu atendia. Celebrei as Bodas de Ferro deste casal (65 anos de casamento). Ela faleceu com 87 anos, fiz a cerimônia de sepultamento. Ele faleceu no ano seguinte, quando eu já era pastor em outra congregação, com a idade de 88 anos, provavelmente tendo como um dos agravantes a saudade da esposa com quem tinha convivido por 70 longos anos.

Longa vida foi a sua recompensa. Prepararam-se para o “depois dos 60” e, enquanto puderam, cuidaram um do outro. Quando a morte levou um dos dois, parece que o outro perdeu a vontade de viver, talvez pelo sentimento de dever cumprido.

O segundo episódio foi muito triste. O filho, quando se casou, fez uma casa no terreno da casa dos pais. Tempos depois, brigou com seu pai e ficou oito anos sem falar com ele, talvez o vendo todos os dias. Não sei se este filho reconciliou-se com seu pai, tomara que sim. Mas eu o menciono aqui para mostrar o outro lado da moeda, o lado triste, que teve como desfecho, mais tarde, seu abandono por parte dos filhos, que com ele aprenderam a plantar espinhos, sem as rosas…

Quando faleceu a esposa deste homem, nenhum filho quis ficar com o “velho” em casa e muito menos cuidar dele. Os filhos ficaram com quase todos os seus bens, restando-lhe apenas um carro velho e uma parte do terreno que lhe coube no inventário com a morte da esposa. O filho com quem foi morar quando ficou viúvo, depois de um tempo, colocou-o na rua, só com o carro velho e com mais de 70 anos de idade.

Desesperado, ameaçou suicidar-se. Bateu na casa de uma irmã que o acolheu em sua casa até à sua morte, para que ele não morresse debaixo de uma ponte ou coisa pior. O mal que esse senhor fez a seu pai, seus filhos repetiram com ele, porque com ele aprenderam. Pode ter sido vida longa, mais de 70, mas não foi uma vida feliz e abençoada.

Quem vai cuidar de nós depois dos 60 anos?

A esposa, o marido, os filhos, algum parente estão cuidando ou cuidarão de nós depois dos 60? É na velhice ou já antes dela que os nossos cacoetes e atitudes ranzinzas tendem a se intensificar conforme a vida avança. Precisamos estar atentos e levar as nossas “manias e caprichos pessoais” sob controle, desde agora, para que não venham atrapalhar os nossos relacionamentos mais adiante…

Li, há muito tempo, que até os 35 anos de vida podemos mais facilmente dominar nossas tendências destrutivas, e que a partir de lá a coisa só se intensifica e complica. As manias ficam cada vez mais intensas. Estamos atentos?

Quantos casais, depois de os filhos tornarem-se adultos ou estarem todos fora do “ninho”, separam-se, indo cada um parar na casa de algum filho, num asilo ou ficam morando sozinhos, como se não tivessem família. Quando mais precisam um do outro, viram-se as costas, abandonam-se, viram inimigos, esquecem que um dia fizeram juras de amor eterno.

Não acontece da noite para o dia. É o desfecho de uma caminhada desastrosa e malsucedida, cheia de palavras e atitudes erradas. As sementes do mal, jogadas ao longo da jornada de desencontros, brotam e produzem toda a sorte de revoltas e sofrimentos.

John Stott, anglicano, em A Bíblia Toda, o Ano Todo (p.64), diz: “O aumento da expectativa de vida e da idade média da população no mundo ocidental tem gerado um número crescente de pessoas idosas e enfermas, muitas delas negligenciadas e até mesmo esquecidas por seus filhos. Trata-se de um fenômeno chocante, que tem acontecido principalmente no mundo ocidental (cristão ?). Na África e na Ásia a família, de modo geral, sempre encontra espaço para os idosos. Na tradicional cultura chinesa também é assim. Penso que devemos deixar com o apóstolo Paulo a palavra final sobre este assunto: ‘Se alguém não cuida dos seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente’ (1Tm 5.8)”.

Por outro lado, vemos, sim, tantos casais cumprindo com muita dedicação a promessa de amor pronunciada no dia do casamento. Lembro-me de uma situação em que o marido sofreu um AVC e ficou em total dependência sobre uma cama por mais de 10 anos. A dedicada esposa, dia e noite, doou-se ao marido até o último dia de vida dele. Em seu estado vegetativo, o marido talvez não mais soubesse quem ela era, mas a esposa sabia quem ele tinha sido: companheiro de longos anos na alegria e na tristeza.

Um dos fatores positivos que faz com que casais tenham longa vida conjugal é a CUMPLICIDADE. Um pensa, fala, quer ou faz algo, o outro concorda, dá apoio, estimula, elogia e vai junto com o empreendimento. O contrário, ser do contra, discordar, por melhor que seja a ideia do outro, é tomar direção diferente ou até contrária no viver matrimonial. Casais que caminham juntos, num relacionamento harmonioso, certamente terão um final abençoado, pois construíram a sua vida matrimonial e familiar, sob as bênçãos do Pai do Céu e de seus familiares.

Quem vai cuidar de nós depois dos 60 anos?

“Nós, casados, cuidamos um do outro enquanto um de nós não partir”, deveria ser a resposta automática. E depois disso, o natural é que os filhos nos cuidem. É a sequência natural da vida. Faz parte do planejamento conjugal pensarmos desta maneira e nos prepararmos, para que não haja traumas, desencontros, abandonos ou coisas piores quando a fase final da vida chegar, mas, sim, amor, carinho, respeito e acolhimento, com o sentimento de uma LONGA VIDA como recompensa.

Recebi uma mensagem cuja autoria desconheço, mas creio que muitos dos leitores já a conheçam, pois versões semelhantes circulam pela Internet.

Um casal de idosos vivia muito bem em seu casamento. Certo dia, a espoa sofreu um AVC e foi internada num hospital, onde permaneceu por meses, e no final de sua vida entrou em coma por mais uma porção de dias, até à sua morte. O marido, já idoso, levantava cedo todos os dias e ia ao hospital para ver sua amada, com quem tinha convivido por mais de 50 anos de casamento. Ela não reconhecia mais ninguém. Mesmo assim, ele repetia todos os dias a mesma maratona. Não via chegar o outro dia para ir ao hospital. Por ela estar na UTI, não podia ficar mais que meia hora junto dela. Chegava, beijava a esposa na face, acariciava as suas mãos e a olhava longamente nos olhos, que, mesmo abertos, estavam desligados da realidade. Chovesse ou fizesse sol, lá ia o vovô visitar sua querida companheira.

Certo dia, uma enfermeira, vendo a dedicação de carinho deste senhor para com sua esposa em estado de coma, fez-lhe a seguinte pergunta: “Vovô, sua esposa sabe quem é o senhor?” Com muita calma, com lágrimas a rolarem pela face, o velhinho respondeu: “Não, ela não sabe quem eu sou. Mas eu sei quem ela é!”

Heldo E. Bredow
Pastor da IELB

Curitiba, PR

*Texto publicado no Mensageiro Luterano em outubro de 2014.

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