Uma (surpreendente) ontologia do amor

Chegamos ao aspecto surpreendente da ontologia do
amor. Como já vimos, para o pensamento cristão, a existência do amor está
fundamentada na própria natureza de Deus. O que é absolutamente espantoso é que
a existência de um “Outro” em Deus pode ser considerada como condição para a
possibilidade da autoconsciência divina (um divino “Eu”). Pois se houvesse em
Deus mesmo uma identidade numérica sem diferenciação, então ele não poderia se
relacionar com nada diante da criação e com algo na escala de uma pessoa.

Mas, mais importante ainda: enquanto o amor é uma
relação entre pessoas que se conhecem como pessoas e se voltam uma para a
outra, Deus não poderia ser amor para as criaturas do mundo: Nur ein Du kann
geliebt werden, und ein Du kann nur für ein Ich existieren
(“Apenas um Tu
pode ser amado e um Tu pode existir apenas para um Eu” – Lewis). A Trindade é o
lado lógico do amor. Amor é algo que uma pessoa tem pela outra. Se Deus fosse
uma única pessoa, então ele não seria amor antes da criação do mundo” (LEWIS,
2005 p.61). Um único Deus – três pessoas distintas. Como, aliás, os cristãos
confessam no Credo Atanasiano:
[…] que
honremos um único Deus na Trindade e a Trindade na Unidade, não confundindo as
pessoas nem dividindo a substância divina. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a
do Filho e outra a do Espírito Santo…”.

A fé cristã baseia-se num Deus trino, que, através
do relacionamento entre as três pessoas divinas, é um, o que constitui um
necessário pressuposto para que se possa pensar Deus como amor. Os cristãos
aprendem da doutrina da Santíssima Trindade que existe em Deus – que é amor –
algo análogo à sociedade, como registra o Gênesis:
Façamos o
homem…”. Não no sentido de que ele é o modelo platônico do amor, mas que nele
existe a concreta reciprocidade do amor com todas as criaturas. A criação é a
maior afirmação do amor de Deus, que, por graça, também chama a sua criatura
para amar. Ele não só “inventou” esse grandioso sentimento nas criaturas
humanas, como também lhes deu o desejo de satisfazer uma necessidade suprema:
de experimentar a vida como indestrutivelmente segura, vívida e ancorada em
busca de um lar. Por isso também o maior medo do amor é o pavor da rejeição; o
medo de não ter um lugar no universo, ainda que nunca consiga ocupá-lo; o medo
de não ser amado pelo outro, sobretudo, de não ser amado pelo “Totalmente Outro”
(o próprio Criador), o modelo para todo amor. Nenhuma outra necessidade humana
é maior do que a de encontrar afirmação, nutrição e ancoragem do próprio ser,
pois o amor envolve a fé de que o amado pode afirmar, alimentar e ancorar o seu
ser.

Só Deus satisfaz plenamente essa condição; somente ele
pode plenificar esse sentimento que nutrimos por pessoas ou coisas; pois o amor
busca, em última análise, enraizamento ontológico, e busca “sentir-se em casa”
no mundo. Amar é sentir-se em casa no mundo, pois é em face do grande amor de
Deus que a verdade das coisas reais recebe maior nitidez e claridade.

Frente a um
mundo que beira à orfandade de valores, o completo desarraigamento e o fim de
certezas fundamentais para a vida; no qual
… a maior
penúria não é a escassez material, mas a ausência “para nós” de Deus, que [para
muitos] pode até existir, mas in anderer Welt “em outro mundo” que não o
nosso” (
Hölderlin), estes
pensamentos se apresentam como um raio de luz que ilumina a estrada deserta
pela qual caminha o homem contemporâneo.

Para um ser
humano detentor do saber, mas sem unidade, cujas raízes estão separadas da
visão cristã, os valores não passam de trejeitos, lugar-comum ou simplesmente
nomes. Num mundo no qual o amor humano sofre da tentação de se tornar o novo
deus da contemporaneidade, o maior de todos os sentimentos humanos está
inclinado a não amar como Deus ordenou amar e a inverter a máxima joanina “Deus
é amor”. Dessa suprema tentação (do amor ao amor) todos os âmbitos da vida
precisam se libertar – também alguns âmbitos da educação. Daí a importância de
uma ontologia do amor que não esquiva a pessoa da Pessoa que transcende e que a
fundamenta nessa mesma transcendência.

Ao
amor, à verdadeira educação compete realizar esta teofania. Deus, que é fonte,
raiz e a própria essência do amor, que olhou para sua criação e para o homem e
viu que tudo era muito bom, espera que, mesmo tarde, estes valores fundamentais
da educação que nele radicam sejam ensinados, aprendidos e vividos. Como nesta
extraordinária confissão do grande Agostinho, “
Tarde te amei…”:

“Tarde Te amei, ó formosura tão antiga e tão nova,
tarde te amei! E eis que estavas dentro de mim e eu fora, e fora te buscava,
errante pelas coisas tão belas que fizeste. Estavas comigo, mas eu não contigo.
Distraíam-me de Ti as coisas que não têm ser senão em Ti. Chamaste e clamaste,
e rompeste a minha surdez; brilhaste, refulgiste e afugentaste minha cegueira;
exalaste Teu perfume e respirei e anseio por Ti; saboreei-Te e tenho fome e
sede; tocaste-me e abrasei-me na Tua paz. Nosso descanso, nosso lugar
(Requies nostra, locus noster).
O corpo, por seu peso, tende a seu lugar. O
peso não arrasta só para baixo, mas para o seu lugar: o fogo tende para cima; a
pedra, para baixo. O peso move, dirigindo a seu lugar. O óleo derramado na água
fica sobre ela; a água derramada no óleo se situa por baixo: cada um movido por
seu peso tende a seu lugar. O que está fora de lugar está inquieto; dirige-se a
seu lugar e aquieta-se… Meu peso, meu amor (Pondus meum, amor meus); aonde quer que eu vá, por ele sou
levado (Confissões X,27 e XIII,9).

Entendemos
que esta (surpreendente) ontologia do amor é o corolário da religação dos
saberes e estruturadora de todas as relações educativas e sociais.
Como o sol que
ilumina a terra, este amor – lux lucis (luz das luzes) e forma de todas
as virtudes – pode iluminar os rumos da educação dos homens, no presente e no
futuro!

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