A pedagogia luterana
Este livro procura responder a uma desafiadora pergunta: existe uma específica pedagogia luterana? E, na trilha que o autor empreende para responder positivamente a essa questão primordial, acrescentam-se os consequentes questionamentos: se existe, quais seriam as características institucionais e escolares dessa pedagogia? Como se reconhecem a escola e a educação luteranas? Em quais pontos e em quais ideias e concepções de educação se pode afirmar a identidade luterana da prática educativa e antever o carisma luterano da organização do trabalho didático e escolar? São estes questionamentos que dão sustentação ao livro todo.
Define-se por pedagogia o conjunto das ciências teóricas e práticas que se ocupam da análise e da compreensão do fenômeno da educação. A pedagogia é assim tomada como a teoria e prática da educação. Assim, a pedagogia é histórica, isto é, acaba assumindo diferentes e diversas finalidades em cada tempo histórico, de acordo com as finalidades de cada sociedade que a engendra ou a constitui. Com tal identidade, reconhecemos que há diferentes pedagogias e há, na história da Educação, uma diversidade de concepções, teóricas e práticas, do fenômeno educacional e escolar que foram, sucessiva e cumulativamente sendo produzidas no transcorrer da história das sociedades humanas.
O livro procura encontrar e reconhecer a identidade da pedagogia luterana entre dois olhares, como se define no título da obra: um olhar para o passado, para as origens, para o fundamento da paideia cristã, desde Jesus de Nazaré, e o outro como o olhar para o futuro, para o horizonte, para as tarefas recolocadas em nosso tempo, de construir uma educação e uma escola que sejam testemunhos de amor cristão e de realização em plenitude do projeto que Deus tem para todos os seus filhos – homens e mulheres.
Texto: César Nunes
Páginas: 176
Dimensões: 14 x 21 cm
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Confira o Sumário
Prefácio
Introdução
A pedagogia luterana: um olhar para as suas origens
1.1 Da paideia cristã à pedagogia luterana: contexto histórico e aproximações interpretativas
CAPÍTULO 2
A pedagogia luterana: um olhar para seu tempo e para sua identidade
2.1 Teoria e prática da educação escolar luterana
CAPÍTULO 3
A pedagogia luterana nas escolas luteranas do Brasil: possibilidades e desafios
3.1 Um projeto político-pedagógico das escolas luteranas no Brasil
Considerações finais
Referências
Leia o prefácio
Quem nunca presenciou a imagem de um telescópio que, depois de visualizar uma constelação, direciona seu foco para uma estrela e, ao fazer a aproximação da imagem, coloca-a em evidência sem, contudo, apagar o brilho das demais? Em algumas imagens a aproximação acontece de forma repentina. Entretanto, refiro-me aqui àquelas com movimento gradual, contínuo e com uma característica que faz com que o vislumbrar da estrela em destaque se dê sem que se ignore as demais ao seu redor. Esta é a figura que melhor descreve a sensação que tive ao percorrer as páginas de mais um elucidante trabalho do professor César Nunes.
Sobre o autor, além do fato de ser professor titular da Faculdade de Educação da Universidade (UNICAMP), vale destacar também que ele é um dos principais pesquisadores brasileiros na área educacional tendo, inclusive, doutorado nessa área. O professor César pode ser considerado ainda um grande colaborador da Rede Luterana de Educação, visto que este é o seu segundo trabalho produzido com a intenção de identificar e apresentar, de forma sistematizada, as características fundamentais da pedagogia emanada do Movimento da Reforma Luterana que teve lugar na Alemanha do século XVI. Assim como já acontece com o livro “Ide, ensinai a todos”, publicado em 2017 pela Editora Concórdia, o presente texto também deverá se constituir em material de estudo obrigatório para todos as pessoas envolvidas com o trabalho educacional realizado pelas escolas ligadas à Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Identificar uma “pedagogia luterana” entre os escritos teológicos da Reforma não é tarefa fácil. Em “A PEDAGOGIA LUTERANA: Dois Olhares”, entretanto, esse “mistério” é desvendado de maneira tal que essa dificuldade parece não existir. Para chegar à conclusão de que “Há, portanto uma pedagogia luterana” (p.101), o autor percorre tempo e espaço, relacionando momentos, culturas e personagens onde e através dos quais ocorreram movimentos que podem ser apontados como fundamentais para a construção da história da educação. Os eventos educacionais atrelados à Reforma são caracterizados como um ponto de chegada, mas, também, como um marco a partir do qual a pedagogia moderna se estruturou. É preciso, afirma o professor César, resgatar e inserir de forma adequada nos projetos políticos pedagógicos das escolas luteranas de hoje os fundamentos dessa pedagogia desvelada. O momento – ano de 2018 – é oportuno, tendo em vista a transformação legal pela qual a educação brasileira está passando.
Para elucidar a importância da atuação de Lutero e de seus colaboradores em prol da educação, o professor César inicia seu trabalho demonstrando como se deu o surgimento da pedagogia – denominada paideia – apontando, inicialmente, para os gregos dos séculos VI a II a.C. É a eles que se atribui as “primeiras sistematizações de uma reflexão sobre os fins e sobre as formas de educar e de conviver na cidade” (p.12). Apontando as principais transformações pelas quais a paideia grega passou e também destacando seus mais proeminentes representantes, como que nos levando pela mão, o autor nos faz percorrer o espaço geográfico e temporal que vai da Grécia de Homero, Hesíodo, Sócrates, Platão e Aristóteles, até a Judeia do período de Cristo que, por “não falar como os escribas”, praticava uma nova pedagogia, centrada no amor, fundamentada na premissa de que “todos podem aprender” e, por isso mesmo, direcionada para todos. Com isto, essa nova paideia contrapõe-se à cultura da educação destinada apenas a algumas pessoas e rejeita também a concepção inatista da pedagogia grega. A leitura do texto nos mostra ainda que entre os discípulos de Cristo, o apóstolo Paulo tornou-se o principal representante dessa nova paideia. Ao direcionar sua pregação aos “gentios”, isto é, aos “não judeus”, este apóstolo contribuiu para que o caráter universal desse novo ensino, presente nas palavras de Cristo “Ide, ensinai a todos” de Mateus 28. 18 e 19, se concretizasse.
Seguindo sua jornada ou, para ser coerente com o parágrafo introdutório, aproximando mais sua lente, o professor César traz à luz o pensamento do teólogo medieval Aurélio Agostinho, que também incursionou pela área das ‘didáticas’. Ainda que sua ‘pedagogia’ apresente nuances da paideia grega, o tom predominante no pensamento agostiniano é o do cristianismo. Este fato é determinante na estruturação do pensamento teológico de Lutero, bem como na formação das suas concepções sobre educação. Isto ocorre porque os escritos de Agostinho constituíram-se em importantes referências de estudo para Lutero durante sua vida acadêmica, mesmo que em muitos momentos essa referência estivesse calcada na discordância.
A análise da obra de Martinho Lutero demonstra que, entre outros feitos, ele promoveu o resgate da paideia cristã que, soterrada pelo obscurantismo medieval e (re)influenciada – via Agostinho – pelo platonismo, perdera especialmente a noção da universalidade. O modelo educacional estruturado pelo Catolicismo Romano nesse período “se expressava na clericalização da função docente e no privilégio dos nobres de frequentar as escolas”. Para Nunes, “a tese (de Lutero)“sola fide” (somente a fé salva) e “sola scriptura” (somente as Escrituras nos salvam) abriria uma nova atitude diante do acesso à leitura e à escrita vindo a tornar-se o embrião de uma síntese revitalizadora da Paideia Cristã”.
Feito esse resgate histórico, o professor César lança luz sobre as originalidades presentes no pensamento pedagógico de Lutero, demonstrando como as suas concepções educacionais, posteriormente melhor estruturadas por seus colaboradores, contribuíram para ‘reformar’ as práticas vigentes nesse campo. Lastreada pelo movimento humanista recentemente eclodido e rapidamente difundido, esta nova pedagogia encontra também campo fértil para sua consolidação e socialização no mundo de então.
Respaldado nos ensinamentos e atitudes de Cristo, na ação missionária de Paulo, que procurou colocar em prática de forma efetiva o comissionamento “Ide, ensinai a todos”, e, ainda, amparado pelas reflexões e postulações da Reforma, o autor entende ser possível lançar-se na ousada tentativa de explicitar/conceituar o que vem a ser a Pedagogia Cristã. Posto isto, o trabalho volta-se para as implicações práticas dessa, agora denominada Pedagogia Luterana, cujas características principais são: “a defesa da educação como valor humano pleno e integral”, “a rigorosa preocupação com a formação dos professores” e “a preocupação com a inovação e com o enriquecimento curricular da educação e da escola”. A consistência desse movimento é tal que ele avança pelos séculos, vindo a influenciar grandes e reconhecidos pensadores da área educacional, entre os quais está, por exemplo, Ian Amós Comênio (1592-1670). A grandiosidade da obra desse pensador e sua vinculação com a Pedagogia da Reforma ficam evidentes na exposição feita pelo professor César.
Por fim o texto dedica-se à contextualização da Pedagogia Luterana, demonstrando o quanto a mesma está em harmonia com as atuais concepções educacionais. Também são apresentados subsídios para a elaboração de um Projeto Político Pedagógico respaldado por esse referencial teórico, com a observação de que, como dito acima, o momento é oportuno para essa ação, posto que a legislação educacional brasileira está passando por um momento de transição com a implantação da nova Base Nacional Comum Curricular. Pelo seu caráter basilar e pela sua característica mais humana do que tecnicista, a Pedagogia Luterana ocupa espaço central – nem sempre reconhecido – nos debates contemporâneos sobre a educação. Cumpre às escolas luteranas de hoje se apropriarem de fato dessa pedagogia para que possam exercer, de forma consciente, o seu papel social enquanto escolas oriundas de um movimento realmente inovador como aquele liderado por Martinho Lutero.
Como mencionado, ao explicitar a linha histórica da pedagogia elencando os principais acontecimentos anteriores e posteriores à Reforma nesse campo, o professor César, sem minimizar a importância de outros movimentos, coloca em evidência a Pedagogia oriunda da atuação de Martinho Lutero e de seus colaboradores, demonstrando sua expressiva importância para a construção daquilo que hoje possuímos tanto em termos de referencial teórico, quanto em termos de valorização da educação como um bem público destinado a todas as pessoas. Concluída a leitura, o sentimento é este: é como se estivéssemos contemplando uma estrela cuja visão inicialmente era turva mas que, com o passar do tempo (avançar das páginas) foi tendo o seu brilho intensificado, destacando-se entre as demais, sem contudo ofuscar aquelas que compartilharam sua luminosidade com a mesma.
Nelci Naor Senger
Diretor do Colégio Luterano Concórdia de São Leopoldo, RS
Pedagogo e Especialista em Gestão Escolar
Presidente da Associação Nacional de Escolas Luteranas