De uma forma ou de outra, há uma negritude enraizada em toda humanidade. Mais do que um dia, 20 de novembro é uma data extremamente importante, pois nos permite refletir sobre a história do povo negro e a sua luta pela liberdade no Brasil. Além disso, o Dia da Consciência Negra também traz à tona questões relevantes no cotidiano: a luta contra o racismo estrutural e a valorização, de forma plena, da cultura afro-brasileira.
Neste processo de empoderamento negro, as conquistas socais vieram após longos séculos de luta. Africanizados e seus descendentes nunca aceitaram a escravidão, por isso desenvolveram estratégias de resistência. Da colônia ao império, eles realizaram fugas, ergueram quilombos, preservaram o culto aos seus Orixás, criaram instrumentos de percussão para reger as festas e folguedos. Além da gingada da capoeira e da cadência do samba, havia a sabedoria dos “griôs”, que eram os anciãos responsáveis por conservar – por meio da tradição oral – histórias e memórias africanas.
A objetificação do negro precisa acabar. Com o raiar do século 21, em tempos republicanos, surgiram as ações afirmativas. São as políticas públicas de inclusão feitas pelo governo ou iniciativa privada com o intuito de dirimir desigualdades sociais latentes. As escolas e as universidades participam desse processo, promovendo ações educativas e alargando o debate racial para toda a sociedade. Outras instituições, como a igreja, têm aderido ao movimento conscientizador dos seus fiéis.
Existe uma IELB preta nos quatro cantos do país. Além disso, pastores brasileiros atuam em missões religiosas na África. Por essa e outras questões, a Igreja Luterana também se apresenta enquanto um espaço para promover reflexões teológicas sobre o mundo africano.
Pensando no lugar da fala, convidamos luteranas e luteranos negros a responder à seguinte pergunta: O que significa o Dia da Consciência Negra na atualidade?
Lurdinha Satyro foi a primeira secretária negra de um Conselho Geral da JELB, na gestão do Rio de Janeiro (1991/93). Atualmente reside em Canoas, RS. Assim respondeu à questão: “Este dia é muito mais que uma data ou feriado em alguns estados brasileiros. É uma oportunidade para reflexão e conscientização das pessoas, a fim de desenvolverem uma consciência humana mais homogênea e igualitária. Dessa forma, estarão de acordo com o amor do nosso Deus, que é para todos e que não faz acepção de pessoas. E, enfaticamente, ensina a amar a todos, indistintamente, assim como ele nos amou”.
Outro depoimento foi o de Bráulio Pimentel Ferreira, que foi vice-presidente do CG da JELB, gestão de Brasília (2007-2009). Atualmente, segue carreira militar no Distrito Federal. Ele discorreu, de maneira peculiar, que a luta dos negros não deve se restringir ao dia 20 de novembro, mas a todos os dias do ano. “Não precisamos mais de uma data para reconhecer e valorizar a luta dos negros, a cultura negra brasileira e suas contribuições para a constituição de nossa sociedade, e, sim, precisamos em definitivo massificar este reconhecimento para todo sempre”. Ainda pondera: “Desde 2003 celebramos no Brasil uma luta que começou no século 19 e que se arrasta por vezes a passos de formiga, voltando sempre ao dia 20 de novembro de cada ano lembrando da existência de uma raça que existirá sempre. Evoluímos? Sim, porém o tempo nos mostra que as nossas batalhas se perpetuam a cada ano com novas armas e fardas”.
E por fim, chegamos a Salvador, a Roma Negra. Onde conversamos virtualmente com Regiane Lima Nascimento. Professora de Filosofia, expôs as chagas, de forma nua e crua, das pretas e dos pretos. Conforme a sua visão. “Se essa pergunta me fosse feita há exatos 3 anos e 5 meses, apontaria com certa objetividade, conquistas, frutos da incansável luta do movimento negro brasileiro”. E prossegue: “Hoje, mãe de uma criança negra, a realidade ganha novos contornos, pois minhas intenções se voltam para educar uma criança em uma sociedade que, apesar de todos os avanços recentes, segue racista. […] É preciso continuar lutando por equidade, para que novas Djamilas, Suelis, Tias Ciatas, Conceições, Silvios, Miltons simplesmente tenham oportunidades. Apenas oportunidades para que brilhem”.
Oxalá, Deus, que brilhem sempre as pretas e os pretos do Brasil. Que o Dia da Consciência Negra descortine, de fato, o horizonte de equidade, igualdade e inclusão. Que a tomada de consciência também envolva a população branca. Que ela possa vislumbrar os seus privilégios e pare de reproduzir atitudes e percepções racistas. Em caso de injustiça, que seja punida. Afinal, racismo é crime.
Prof. Dr. Luiz Antônio Pinto Cruz
Congregação Luz do Mundo, Aracaju, SE