Estou envelhecendo: e agora!

Aceitar o envelhecer e as suas consequências no corpo e no psiquismo promove a saúde mental

Pastor Artur Charczuk
pastor e psicanalista
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O aumento exponencial no número de idosos já é um fato testemunhado pela sociedade brasileira. No ano de 2021, eram 800 milhões o número de pessoas acima de 60 anos no mundo, das quais 32 milhões encontravam-se no Brasil. Já em 2050, a estimativa é de que esse número se eleve para 67 milhões no País. O aumento da população idosa está ligado ao serviço das políticas públicas e da medicina, e também ao desenvolvimento econômico e social no controle das doenças, com a prevenção da mortalidade infantil e a diminuição dos nascimentos.

Neste cenário mundial, de aumento galopante no número de idosos, é urgente criar condições para que essas pessoas vivam com qualidade de vida, incluindo a saúde mental. A qualidade do envelhecimento envolve os modos como o sujeito dialoga com os discursos do meio social em que está inserido. A depender de como aceita, acata, refuta, teme ou se esquiva das demandas sociais, o indivíduo terá respostas emocionais que possibilitam uma velhice prazerosa ou não.

O idoso da atualidade é o jovem e o adulto de ontem, portanto as suas escolhas no passado são consequências do que colhe hoje. As escolhas da vida estão fundamentadas e alicerçadas em valores transmitidos por uma cultura a qual o ser humano se submete, decidindo por acatar ou não as regras sociais implicadas.

É importante situar os aspectos biológicos do envelhecimento humano, afinal de contas, o ser humano também é corpo. As partes biológicas seriam os desgastes físicos ocasionados pela passagem do tempo: os cabelos que se tornam brancos, a visão que vai se perdendo e requer o uso de lentes suplementares, a flacidez da pele, rugas, a motricidade que pode afetar o caminhar, etc. Também podem surgir doenças, como: hipertensão arterial, alterações cardíacas, diabetes, osteoporose, entre outras. As doenças que tendem a aparecer com o avançar da idade estão atreladas a predisposições genéticas e a fatores comportamentais: alimentação inadequada, sedentarismo, obesidade, sobrecarga emocional, consumo excessivo de álcool, tabagismo e assim por diante. De um lado, encontram-se os efeitos naturais dos desgastes biológicos ocasionados no corpo pela passagem do tempo. Assim, como um carro que necessita de reparos com o passar do tempo, um corpo também pode solicitar cuidados e amparos. Idosos não precisam adoecer necessariamente, ou seja, velhice não é sinônimo de doença. Dessa forma, é preciso cuidar do corpo para poder viver mais e testemunhar os avanços e progressos da humanidade. Sem um corpo saudável, torna-se impossível carregar um neto no colo, brincar com um bisneto, acompanhar o crescimento e desenvolvimento das gerações vindouras e celebrar as suas conquistas.

Idosos podem amadurecer frente ao processo do envelhecimento, aprendendo com as vivências e transformando perdas e ganhos em experiências que valham a pena serem saboreadas e transmitidas às gerações futuras com sabedoria e afetividade. Existem idosos que transformam as perdas de uma vida, como do corpo, da juventude, dos amores, do trabalho, dos pares, dos amigos, enfim, criam novos sentidos para seus lutos.

ENVELHESCÊNCIA

É um neologismo, um termo derivado de outra palavra. O termo “envelhescência” criado para definir, em semelhança à adolescência, as crises vivenciadas no processo de envelhecer, como as mudanças evidentes no corpo. Entretanto, a envelhescência aponta para uma velhice na qual o indivíduo passa por um processo de reconhecimento de si mesmo num corpo que envelheceu, que perdeu possibilidade, mas que aceita novos horizontes. É a pessoa que busca por investimentos para cuidar do corpo, como uma atividade física, por exemplo. Assim sendo, a envelhescência é a busca pela reconciliação com as marcas da passagem do tempo no corpo a fim de amenizar as crises diante das mudanças inexoráveis impostas pela vida. Aceitar o envelhecer e as suas consequências no corpo e no psiquismo promove a saúde mental.

VELHO?

Velho é uma palavra que a pessoa idosa não gosta de escutar, porque relaciona-se a materiais prontos a serem descartados no lixo em uma sociedade capitalista que aprecia consumir produtos novos e prima pela descartabilidade da mercadoria. O próprio sujeito que envelhece abomina a palavra velho, dado que ela está relacionada ao que não serve mais, que está no fim de sua utilidade. Em compensação, o mercado de consumo está de olho neles, isto é, nos idosos. Melhor idade, terceira idade, maduros, geração prateada, são formas, caminhos, que o mercado encontra para atrair os 60+ ao consumo de suas ofertas. A intenção do capitalismo e do mercado consumidor é abafar a realidade das perdas que o passar do tempo deixa nos corpos e no psiquismo e fazer falsas promessas de beleza e de juventude eternas.

Muitos idosos reclamam sobre a nomenclatura melhor idade. Chamar de melhor idade tempos de muitas dores físicas e emocionais se configura como quase um engano. Isso porque relatam que perder a autonomia é degradante e vergonhoso para o ser humano que vive debaixo de uma modernidade narcisista e seletiva. O idoso sente sua liberdade tolhida quando sente a necessidade de cuidados de terceiros. A sociedade como um todo precisa urgentemente criar práticas, lugares, espaços e propostas que possibilitem aos idosos fazerem as pazes com as suas próprias histórias para que envelheçam com saúde mental e física.

Sempre é importante lembrar: envelhecimento não é uma doença, mais sim um processo e, como tal, está sujeito a crises. A grande questão é os papéis que o sistema social coloca sobre o idoso quando ele, atingindo uma determinada idade cronológica, é, digamos assim, encaixado em determinadas narrativas que levam para o não prazer e falta de significação. Já está na hora do ambiente social tratar o idoso com maior disponibilidade e abertura. O número de idosos cresce colossalmente, logo, medidas e propostas são necessárias para que novos olhares sejam lançados sobre os idosos. É um assunto que interessa a todos nós, até você, leitor, pois uma coisa é fato: só não envelhece quem antes já morreu – melhor dizendo, se Deus permitir, todos nós vamos envelhecer.

AS GERAÇÕES PRECISAM DIALOGAR

Os preconceitos não surgem de um lado apenas, mas de ambos os lados. O jovem pode esboçar preconceitos em relação aos mais velhos, quando classifica como ultrapassadas as músicas que escutam, os valores que cultivam e assim por diante. Da mesma maneira, os mais velhos recriminarem as roupas e comportamentos dos mais novos. Colocar as gerações em encontros e em diálogos promove uma aproximação das diferenças e ajuda jovens e velhos a (re)significarem suas reações geracionais. Os encontros intergeracionais são meios para o estabelecimento de expressivos processos de coeducação entre as gerações na intenção de aliviar os efeitos causados por uma estrutura social que desune jovens e idosos em espaços distintos de convivência e educação.

O idoso é alguém que pode ensinar o jovem acerca da memória cultural e de valores éticos essenciais e educá-lo para o envelhecimento. Conhecendo seu passado, o jovem entende melhor o seu presente e projeta seu futuro de modo mais realista e promissor. As relações estabelecidas entre as gerações na contemporaneidade promovem integração, cooperação e interlocução entre o novo e a experiência. A relação entre avós e netos configura-se como um lugar privilegiado de diálogo entre gerações, tornando-se uma oportunidade de transmissão intergeracional. O idoso tem a oportunidade de tornar as experiências deixadas pela vida em legados dignos e proveitosos para as gerações vindouras. Um avô é capaz de transmitir legados entre as gerações, e se essa voz de quem tem tanto conhecimento e experiências acumuladas não for dada ao idoso, pode trazer como consequência sentimentos de desamparo, abandono, solidão, depressão, etc.

O relacionamento entre avós e netos é um lugar de encontro de trocas afetivas e reconstruções de laços emocionais. Os avós, na altura de sua sabedoria, podem ensinar preciosas lições do que fazer e do que não fazer nesta vida. Podem lançar mão dos acertos e dos erros que cometeram em suas vidas, para orientar as gerações vindouras. A velhice é a última fase do ciclo da existência e merece ser experimentada com sabedoria e bons humores. Encontros intergeracionais favorecem o conhecimento mútuo das diferenças que separam as gerações pelo abismo dos costumes, comportamentos e ideias.

O idoso que transmite sua história é alguém que faz as pazes consigo próprio. Por conseguinte, os acertos e erros de sua vida são preenchidos de significados quando o idoso ensina as gerações que o sucedem.

ENVELHECIMENTO É UM ASSUNTO QUE PRECISA SEMPRE SER DISCUTIDO

Considerando que o Brasil é a 6ª maior população idosa do mundo, abaixo apenas da China, Índia, Rússia, Estados Unidos e Japão, é preciso pensar sobre as perspectivas que tornem o processo de envelhecimento satisfatório. É olhar para o envelhecimento não como algo alicerçado no passado, como um término irreversível. O processo do envelhecer é uma ocorrência no presente, isto é, um tempo no aqui e agora e que possui seus caminhos, possibilidades e experiências. Envelhecer? Se Deus permitir, todos nós vamos! É uma experiência universal e não pode ser jogada para debaixo do tapete das referências sociais enganosas. Envelhecer é um processo tão meu, tão seu, tão nosso, isto é, tão humano.

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