JEAN REGINA
@jeanregina
THIAGO VIEIRA
@th_vieira
Em 325 d.C., na cidade de Niceia, reuniram-se bispos do mundo cristão para enfrentar heresias que ameaçavam a fé apostólica. O Concílio de Niceia, convocado pelo imperador Constantino, resultou na formulação do Credo Niceno e na firme defesa da plena divindade de Cristo. Ali se estabeleceu um marco doutrinário, mas também um precedente histórico de liberdade religiosa: o direito de uma comunidade definir sua fé sem coerção externa.
Completando 1.700 anos, Niceia continua ecoando em nossos dias. Não apenas pela doutrina ali firmada, mas pelo testemunho de que a verdade da fé se preserva na liberdade eclesial. A liberdade religiosa, tão cara à nossa Constituição de 1988 (art. 5º, VI e VIII), é herdeira dessa luta milenar: a autodeterminação das igrejas em matéria de fé e doutrina é fundamento para uma convivência plural e pacífica.
No Brasil, esse princípio se reflete na chamada laicidade colaborativa, onde Estado e igrejas dialogam sem confundirem suas missões. Tal modelo, longe de ser uma separação hostil, reconhece o valor público da fé e protege o direito das igrejas de serem fiéis à sua missão. A liberdade religiosa, portanto, não é concessão do Estado, mas direito natural e constitucional, iluminado por séculos de história cristã.
Esse direito se expressa, de forma concreta, na possibilidade de as igrejas viverem conforme se entendem: sua autocompreensão. É isso que chamamos de autodeterminação religiosa: cada comunidade de fé tem o direito de se organizar, celebrar e proclamar segundo o que crê, sem interferências externas. E foi exatamente isso que os pais do Concílio de Niceia fizeram — afirmaram o que criam com clareza, mesmo sob pressão, e definiram os contornos da fé cristã para gerações futuras.
A teologia aqui funciona como bloco estrutural que protege o conteúdo da fé. A compreensão correta de quem é Cristo, como proclamado em Niceia, sustenta toda a mensagem do evangelho.
Assim, a doutrina, longe de ser um fardo, é uma muralha de liberdade. Como ensina Lutero, “uma consciência cativa da Palavra de Deus” é o solo fértil onde a verdadeira liberdade floresce. A teologia cristã, fiel à revelação de Deus em Cristo, é o que garante que nossa liberdade religiosa seja mais do que um direito formal: seja uma expressão viva da fé que confessa e testemunha.
A igreja confessa Cristo como Senhor não porque o Estado permite, mas porque essa é sua vocação. Niceia nos lembra que confessar a verdade pode custar caro — mas que vale todo o sacrifício. Em tempos de desafios à fé e à liberdade de consciência, celebramos o legado de Niceia como uma bússola para resistir à pressão do relativismo e afirmar, com mansidão e firmeza, a verdade do evangelho.
Assim como em 325, também hoje a igreja é chamada a dar razão da esperança que há em nós (1Pe 3.15), com fidelidade à Escritura e compromisso com a liberdade. Que a memória de Niceia nos inspire a viver uma fé confessionalmente livre e publicamente relevante, para a glória de Deus e o bem do próximo.
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