O processo judicial de Jesus Cristo (3ª parte)

Fábio Leandro Rods
Advogado
Porto Alegre, RS
[email protected]

Finalizamos hoje nosso artigo/estudo sobre o processo judicial de Jesus Cristo apresentando as últimas ilegalidades e a sentença final. Confira aqui as primeiras partes: Parte 1 e Parte 2.

               15ª ilegalidade: alteração da acusação após sentença

A ilegalidade ocorreu entre dois juízes (Pilatos e o sumo sacerdote). Para que a morte de Jesus fosse chancelada, o sumo sacerdote mudou a acusação de Jesus na hora, na frente de Pilatos. A ideia era demonstrar a Pilatos que Jesus era perigoso para Roma, logo, perigoso ao futuro de Pilatos. A única forma encontrada pelos sacerdotes foi acusar Jesus de ser sedicioso em potencial, um alguém capaz de liderar uma insurreição contra Roma. A ideia era apresentar Jesus como uma pessoa com grande poder de persuasão do povo, e ligado aos grupos extremistas dos zelotes e sicários.

Os sacerdotes estavam também num dilema. Pilatos, como prefeito da Judeia, tinha conhecimento das leis judaicas, então, se os sacerdotes apresentassem Jesus como um condenado por crime de blasfêmia baseado em prova de duas testemunhas discordes; Pilatos reverteria o julgamento. Se eles apresentassem Jesus como sendo alguém condenado por sua própria confissão, Pilatos também absolveria Jesus. E, se apresentassem Jesus como condenado por unanimidade, Pilatos também dissolveria o veredito. Os sacerdotes não podiam sob hipótese alguma afirmar já terem julgado Jesus, é por esta razão que a primeira declaração de Pilatos é: “Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei”. Pilatos não sabia que Jesus já havia sido julgado pelo Sinédrio. Os sacerdotes esconderam este fato.

A nova acusação só foi possível distorcendo dois fatos: o primeiro deles foi a manifestação de Jesus no Templo expulsando os comerciantes, com isso foi demonstrado que Jesus incitava o povo a não pagar tributos a Roma. A segunda refere-se à afirmação de que Jesus era o Messias. “Messias” foi traduzido aos romanos como sendo “rei de Israel”.

Por essa razão é que notamos que o interrogatório de Jesus diante do prefeito de Roma visava esclarecer sua eventual disposição à subversão que se resumia em uma única pergunta: “És tu o rei dos Judeus?”. Se Jesus respondesse afirmativamente, Pilatos teria a confirmação da segunda acusação, de que Jesus havia se autoproclamado rei com apoio do povo; o que levava indiretamente a acusação de rejeição aos tributos para Roma. Conclusão: Jesus era perigoso. Ao invés disso, Jesus manteve-se em silêncio.

O Direito Romano seguia a mesma linha do Direito Messiânico. O Estado tinha obrigação de provar a culpa do réu. Logo, o silêncio era direito do réu a ser respeitado e não podia ser considerado como prova.

Diante do silêncio e da ausência de provas, Pilatos emite a sua sentença de absolvição: “Não vejo culpa neste homem”.

O que para nós parece uma simples frase na Bíblia, é na verdade, uma sentença judicial. Até então, Pilatos havia sido justo, um juiz exemplar. A lei de Roma era boa, logo, pelo Direito Romano, Jesus tinha que ser imediatamente libertado. Mas não foi.

                16ª ilegalidade: apresentação de recurso sem previsão legal

O processo judicial romano tinha dois ritos:

O processo ordinário, com quatro fases, em que a sentença é dada por um pretor, existindo assim o recurso de apelação.

E o processo extraordinário, em que o interrogatório, a análise de provas e a sentença, eram atribuições da mais alta autoridade. Esse rito acontecia nas regiões afastadas do Império, portanto, em Jerusalém, o rito era extraordinário, inexistindo o duplo grau de jurisdição, ou seja, não havia recurso. A sentença era irrecorrível.

Como Jesus foi sentenciado inocente e não havia recurso, era ilegal qualquer tipo de petição de revisão.

Porém, os sacerdotes, sabendo da situação de Pilatos perante Roma, forçaram a acusação, alegando que a sentença era equivocada, e que haveria instabilidade na região. Os sacerdotes apelaram e não podiam.

Contrariando a lei, Pilatos aceitou a apelação ilegal.

       17ª ilegalidade: anulação do julgamento e remessa para juízo incompetente

Diante da pressão dos sacerdotes e do medo de ocorrer uma revolta por parte do povo, mas atento aos argumentos utilizados pelos sacerdotes, argumentos estes puramente religiosos, Pilatos também resolve manipular a situação, não satisfazendo as vontades dos sacerdotes que o pressionavam, e nem deixando a população insatisfeita.

A saída adotada por Pilatos era aproveitar a presença de Herodes para as festividades da Páscoa, mandando Jesus para ser julgado pelo rei, já que a “nova acusação” dizia respeito à incitação do povo. Assim, Pilatos anulou seu próprio julgamento e remeteu Jesus para Herodes, para ser julgado pelo rei dos judeus.

A competência de julgar do rei era para causas políticas e de crimes comuns.

Ora, se Jesus foi julgado pelo Sinédrio, ele teve um julgamento religioso, isso significava que o crime dele não era comum. Se num segundo momento ele foi julgado pela maior autoridade romana, ele teve um julgamento penal especial, quer dizer que o crime dele não era comum. Portanto, nem por uma ou outra acusação, poderia Herodes julgar Jesus.

O mais interessante é que não se tem notícia de que houve uma alteração na acusação de Jesus, sendo assim, temos que perante Herodes ele foi acusado do mesmo crime: blasfêmia, que não era da competência de Herodes, ou de sedição, o que tornava Herodes um juiz incompetente.[1]

Este julgamento pode ser classificado como um episódio de “deboche jurídico”:

1º) Pilatos manda um caso extremamente complexo para Herodes, que já enfrentava uma crise com o povo devido à morte de João Batista, logo, a esperança de Pilatos era que Herodes matasse Jesus e que o povo matasse Herodes.

2º) Herodes sabia que não tinha nenhuma competência para julgar Jesus, mas o recebeu por pura curiosidade; Herodes desejava ver o “grande rabi”, e, ao vê-lo, tentou de várias formas que Jesus fizesse alguma “mágica” para o seu divertimento.

3º) Jesus demonstrou extremo desprezo para com Herodes, não reconhecendo nele nenhuma autoridade, o que deixou o rei indignado, pois não podia fazer nada contra Jesus – porque legalmente não podia; e porque se fizesse, poderia criar uma revolta no povo.

A saída de Herodes foi devolver a lisonja a Pilatos, declarando-se incompetente. Esta teria sido a razão do escárnio de Herodes em colocar um manto em Jesus, para demonstrar que Jesus tinha dolo, vontade de ser rei acima dos romanos configurando crime de usurpação (lesa-majestade).

Por esta razão é que, no segundo interrogatório, Pilatos mantém a linha investigativa: saber se Jesus era o rei dos judeus. Estas foram as perguntas de Pilatos: “Tu és o rei dos judeus?”; “Então, tu és rei?”

 18ª ilegalidade: apresentação de um segundo recurso sem previsão legal

Vem então uma nova sentença de absolvição. Pilatos retorna e declara não ter encontrado culpa em Jesus. Pela segunda vez, Pilatos profere uma sentença irrecorrível de absolvição. Jesus tinha que ser liberto naquele momento, mas não foi. Os sacerdotes apelam novamente, e desta vez enfrentam a autoridade de Pilatos, desafiando-o: “Então o prefeito talvez não seja amigo do imperador”.

Pilatos foi desafiado, e ficou com medo. Medo de perder a chance de voltar a Roma. Talvez naquele instante a vontade de Pilatos era de matar todos os sacerdotes, mas na frente do povo aquilo poderia provocar uma guerra, sepultando de vez a oportunidade de retornar para Roma.

               19ª ilegalidade: continuidade do julgamento após declaração de isenção do

                                            Estado Romano

Diante da apresentação ilegal do novo recurso, Pilatos lava as mãos. O ato de lavar as mãos não era um ato jurídico, não existe previsão deste ato nas leis romanas e nem nos costumes romanos. Então de onde Pilatos retirou o ato de lavar as mãos?

Os historiadores se dividem na intenção do ato, mas concordam sobre a natureza do ato: político. Alguns estudiosos dizem que o ato de lavar as mãos foi uma influência do direito hebreu no direito romano.

Nas leis hebraicas os sacerdotes tinham que lavar as mãos antes de praticar os atos religiosos, e os judeus lavavam as mãos antes de comer. Já os romanos nem isso faziam. Incorporado este ato no direito romano, ele significa isenção. O “estar isento”, no entanto, obrigava com que a autoridade se ausentasse de fato. Ou seja, a autoridade que lavava as mãos tinha que sair da sala significando que o Estado estava se ausentando.

Não foi isso que aconteceu, pois daí seguiu-se o julgamento com Pilatos aceitando a apelação ilegal dos sacerdotes.

                20ª ilegalidade: aplicação do julgamento popular

Assim como no direito hebreu, os julgamentos no direito romano eram públicos, e havia uma multidão presente. Pilatos decide uma última tentativa para absolver Jesus e aplica a judicium populi[2] (julgamento popular), um direito dado apenas a cidadãos romanos, e Jesus não era um cidadão romano.

Aproveitando que o costume era libertar um preso na festividade da Páscoa, Pilatos pergunta ao povo quem desejavam libertar: Jesus de Nazaré, o rabi; ou Jesus Barrabás, líder de uma facção rebelde.

O que Pilatos não contava é que grande parte das pessoas presentes no julgamento haviam sido conduzidas pelos próprios escribas; e estas, também alimentavam um ódio por Roma, logo, tinham um apreço maior pela imagem do rebelde que lutava pela liberdade do povo, do que por Jesus, que era um mero rabino não reconhecido por seus sacerdotes. O resultado só poderia ser um: Barrabás.

A sentença

Jesus foi então condenado por crime de lesa-majestade com base no decreto de Augusto datado do ano 8 a.C. – a Lex Julia Maiestatis – que considerava crime atroz, punível com morte, a reivindicação monárquica. Por essa razão que a placa exposta acima da cruz[3] de Jesus possuía a inscrição “Jesus de Nazaré – Rei dos Judeus”.

A placa, chamada titulus, não era uma sátira, ou deboche, mas uma exigência legal, e era escrita por funcionário romano da mais alta confiança, chamado tabelarius, que tinha a função de registrar os atos oficiais, daí a origem de tabelião. Fato é que Pilatos aproveitou isso para atacar os sacerdotes, pois a inscrição era uma ofensa para os líderes judeus, sem que estes pudessem fazer qualquer reclamação ao Império, já que Pilatos estava tão somente cumprindo a lei.

A execução

Data a sentença, era necessário executá-la. A execução era realizada por um grupo de elite do exército romano, chamava-se exactor mortis. Esse grupo tinha o direito legal de ficar com os pertences do condenado, no caso, os soldados romanos não cometeram nenhum abuso ao ficarem com os pertences de Jesus.

A pena de morte acontecia por crucifixão na cruz. A cruz, na sua origem, foi um instrumento de tortura e de execuções em guerras, criada pelos assírios no século 9 a.C. Originalmente era apenas um toco de madeira, não tinha braços. A pessoa era amarrada pelos pulsos e ficava pendurada nesse poste, ficando impedida de realizar o movimento de respiração, morria lentamente asfixiada.

Por volta de 518 a.C., os persas crucificaram 3 mil babilônicos em um único dia, e em 332 a.C., Alexandre, O Grande, crucificou 2 mil no ataque a Tiro, motivado apenas por raiva. Em 71 a.C., aconteceu a maior crucificação da história; foi na Revolta dos Escravos, liderada por Spartacus, em que 6 mil escravos foram pendurados nos postes ao longo da Via Apia, por aproximadamente 200 quilômetros.

Depois disso, os romanos evoluíram a cruz, tornando-a um instrumento de execução judicial para crimes específicos: crimes contra o império – nunca para crimes comuns; buscando aplicar mais dor e torná-la um símbolo de terror, os romanos acrescentaram um toco transversal, formando um “T”. O ato de crucificar, em latim, se chama Staurus – significa: colocar em “T”. Esse “T” eram duas peças de madeira, a que ficava em pé se chamava “Stipe”, tinha aproximadamente 1,80 metros, e o braço se chamava “Patibulum”, tinha em torno de 1,60 metros e pesava aproximadamente 20 quilos. O conjunto das duas peças se chamava “crux”, daí o nome “cruz”.

A cruz passou então a ter braços, e os condenados não eram mais amarrados, mas pregados pelos pulsos e calcanhar.

E termina assim o processo judicial de Jesus Cristo.

A data de sua morte é controversa. Conforme cálculos de Isaac Newton, tendo por base os registros de Esdras, a morte de Jesus teria ocorrido em 7 de abril do ano 30.

Durante os anos, vários pesquisadores ligados à astronomia confirmaram que não existiu um eclipse do sol, mas, sem sobra de dúvida, existiu um eclipse da lua, explicando a “lua de sangue”, e que uma grande tempestade de areia, chamada khamsin, que ocorre em altas altitudes e existe ainda hoje, com duração de horas, foi a responsável pela escuridão do dia, e esses dois fenômenos aconteceram de fato em Jerusalém em 3 de março de 33.

Os cientistas Coli J. Humphreys e W. G. Waddington corrigiram os cálculos astronômicos e com modernas técnicas de computação reconstruíram o calendário judaico chegando à data de 3 de abril de 33. Essa pesquisa foi publicada na revista Nature em 1904.[4]

Conclusão

Não é um crucifixo pendurado nos tribunais que dará garantia de um julgamento justo e imparcial. Injustiças sempre aconteceram e continuarão a acontecer nos tribunais até o dia em que aquele injustiçado, manso e calado, retornar como Rei e Juiz.

Até lá, continuaremos a conviver com as injustiças deste mundo, mas tendo por consolo que Deus, um especialista em reciclagem, transformou a cruz, instrumento de humilhação, de horror, de tortura e de morte, em um símbolo grandioso de vida, de esperança e de renovação. 


[1] O termo legal “juiz incompetente” significa que não tem competência para realizar o ato, não é um termo desrespeitoso ligado à incapacidade de fazer as coisas.

[2] Com a instalação do regime republicano, os poderes dos imperadores foram limitados. A Lei Valéria, criada para dar garantias de acusação e defesa em crimes de pena capital, dava o direito do condenado, cidadão romano, apelar para a assembleia do povo – judicium populi – sendo assim, a pena somente poderia ser aplicada se o povo condenasse o réu pela segunda vez.

[3] A crucificação era método grego e romano de executar condenados. Pela lei judaica, a execução de morte era por apedrejamento.

[4] The Mathematical Theory of Eclipses.


Comentários

  1. Quero deixar registrado meu agradecimento e dar os parabéns ao dr Fábio Rods.
    Muito obrigadoe parabéns pelo empenho e pesquisa.

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