“E agora, ó Senhor Deus, cumpre a promessa que fizeste ao meu pai. Já que me fizeste rei de um povo tão numeroso como o pó da terra, dá-me sabedoria e conhecimento para que eu possa governá-lo. Se não for assim, como poderei governar este teu grande povo?” (2 Cr 1.9-10).
Como escrever algo novo sobre um problema tão antigo quanto a humanidade? Fui então buscar subsídios num dos políticos ou governantes de renome do passado: o rei Salomão. Poucas figuras bíblicas foram tão engrandecidas pela sabedoria, entendimento e inteligência, como ele. Sua fama correu por todas as nações ao redor de Israel.
Diz a Escritura que Salomão compôs 3.000 provérbios, escreveu 1.005 cânticos, discorreu sobre todas as plantas, falou dos animais, dos répteis e dos peixes. De todos os povos, vinha gente para ouvir a sabedoria de Salomão. Também chegavam até ele enviados de todos os reis da Terra que tinham ouvido falar de sua sabedoria. E a fama de Salomão alcançou os nossos dias.
Mas e o seu exemplo?
É sempre bom lembrar que Salomão, ao saber que seria rei, apenas pediu um presente de Deus: sabedoria, para bem governar o povo que lhe fora confiado.
Foi esse Salomão que, em um de seus provérbios, escreveu “quem anda em integridade anda seguro” (Pv 10.9). Num outro, aconselha o rei Lemuel a não se esquecer da lei e a não perverter o direito do aflito. E, às pessoas em geral, recomendou que não se comprometam a ponto de ficarem por fiadores de dívidas.
É evidente que a integridade vai além da política e dos políticos, ela vale para todas as pessoas. A integridade, o não comprometer-se em troca de favores, o cuidar-se em procurar cumprir a lei e respeitar os direitos das pessoas, tem a ver com a ética.
Ética, como diz a sabedoria popular, é algo que não se compra nas esquinas. É algo que se tem ou não se tem. Não é por outra razão que tanto se fala ou se denuncia que estamos sofrendo de uma “crise” ética. Mas é preciso que se tenha o cuidado, ao analisar sob essa ótica, a situação que estamos vivendo no Brasil, pois a coisa mais fácil é generalizar e fazer terra arrasada. Isso, por outro lado, nos colocaria a um passo do surgimento de novos “salvadores” da pátria, novos detentores da ética e da moralidade, como já tivemos no Brasil e temos em alguns países na América Latina.
Em épocas como esta que o Brasil está passando, frases como “cada povo tem o governo que merece” e “o governo é reflexo da sociedade” também não ajudam muito para o esclarecimento da situação. Da mesma forma como não basta defender teses como o estado laico, a distinção entre Igreja e Estado ou ética e religião.
Não existem respostas simples para questões complexas, porque não há uma resposta única para todos os problemas, ainda que, como cristãos, creiamos em verdades absolutas. Mas também não podemos aceitar a tese daqueles que defendem uma ética da maioria.
Dietrich Bonhoeffer, teólogo de formação luterana, e que defendia a distinção entre Igreja e Estado, bem como enfatizava os limites do Estado, entendia que o Estado não podia ter poder sobre a consciência de seus cidadãos. Para Bonhoeffer, não existe algo como fidelidade incondicional. Segundo ele, no entanto, a Igreja tem um papel a ser exercido na sociedade – uma responsabilidade política de denunciar os pecados cometidos pelas autoridades e proteger os cidadãos das injustiças que sofrem, e de exortar as autoridades e governos para que mantenham a ordem e sustentem as garantias e os direitos constitucionais. E, quanto aos cidadãos individualmente, se a Igreja tem um papel institucional de servir de “consciência” para as autoridades, o cristão não pode furtar-se de, dentro dos limites constitucionais, participar e não submeter a sua consciência cristã aos abusos e desmandos das autoridades.
Voltando ao governante Salomão. O fato de Deus ter dado a ele sabedoria, entendimentos e inteligência inigualáveis, não o eximia de governar dentro dos limites “constitucionais” preestabelecidos.
Todas as características que o tornaram universalmente famoso não lhe davam o direito de fazer acordos para governar como bem entendesse. Toda vez que Salomão “pisou na bola”, ele foi repreendido e punido.
Quem sabe Salomão só se manteve no trono por ter tido a humildade suficiente de reconhecer seus erros. Mas sabemos que, depois de Salomão, seu reino ficou irremediavelmente dividido. Sob todos os aspectos éticos – morais e espirituais, os lamentáveis erros e abusos que estão sendo cometidos por lideres, autoridades, governantes e cidadãos precisam continuar sendo denunciados e, principalmente, punidos.
Institucional e individualmente, como cidadãos responsáveis, não devemos e não podemos nos omitir em fazer a nossa parte. Isso faz parte da petição do Pai-Nosso, que repetimos seguidamente: “Seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu”.
E o melhor caminho para começar a mudar ou retomar os valores éticos, morais, espirituais, culturais e políticos que prezamos é o caminho do voto, da escolha democrática do seu candidato, em todos os níveis de autoridades estabelecidas pela nossa Constituição Federal.
“A Igreja tem um papel a ser exercido na sociedade – uma responsabilidade política de denunciar os pecados cometidos pelas autoridades e proteger os cidadãos das injustiças que sofrem, e de exortar as autoridades e governos para que mantenham a ordem e sustentem as garantias e direitos constitucionais. E quanto aos cidadãos individualmente, se a Igreja tem um papel institucional de servir de “consciência” para as autoridades, o cristão não pode se furtar de, dentro dos limites constitucionais, de participar e não submeter a sua consciência cristã aos abusos e desmandos das autoridades”.
Oscar Lehenbauer, Porto Alegre, RS
Material publicado na revista Mensageiro Luterano em setembro de 2012.