Não tenho tempo pra nada!

Paulo manda recuperar o tempo, não o tempo inteiro (khronos), Paulo se refere ao tempo que se completa em mim agora (kairós). O agora se vende? O agora é a única fração de tempo que pode ser exposto no mercado. Quem se interessa por tempo gasto? Quem não vende o agora (o tempo que a cada momento se renova), não tem nada a vender. Que dias são maus? Maus são os dias em que vendemos o tempo que necessitamos para o nosso próprio bem-estar.

Se os tempos são maus, como adverte o apóstolo, importa recuperar o tempo irresponsavelmente esbanjado, vendido. Para nos orientarmos, convém retornar ao Eclesiastes, o livro do Pregador (Qoélet), quem fala responde a perguntas que vêm da assembleia, conjunto a que todos pertencemos.

O Pregador divide o tempo em duas categorias: tempo que se repete e tempo que nunca se repete. O tempo que se repete é medido pelo sol, constante é o ritmo das gerações, previsível é a rota dos rios, ouvidos percebem sons, olhos constatam imagens. Sol, rios, ouvidos e olhos têm funções rigorosamente estabelecidas; nesse território, o da natureza, não se espere nada de novo, o que aconteceu, acontecerá. O tempo medido pelo sol não se pode vender nem comprar.

Quando de leis naturais passamos a experiências pessoais, entramos no domínio da inconstância (vaidade). A felicidade vem e vai, a de agora é diferente da anterior, perseguir momentos felizes passados é correr atrás do vento, lembra o Pregador, entram na mesma categoria o riso, sabores, saberes, bens, glória, realizações, concertos, amores, espetáculos. Inconstância das inconstâncias, sublinha o Pregador, tudo é inconstante.

Lembrado do Pregador, o apóstolo adverte que na inconstância decisões sábias são inadiáveis. Do Pregador até Paulo, de Paulo até nós, o tempo sofreu palpáveis modificações. Aparelhos aproximam instantaneamente lugares distantes, com a mesma facilidade somos procurados. Ligados a todos e a tudo, desligamo-nos de nós mesmos, amigos vêm e somem, doem feridas de uniões rompidas. Para recuperar o tempo, para vivê-lo adequadamente, importa interromper a corrida atrás do vento, o momento é de observar, escolher, tomar decisões.

O Pregador afirma que há tempo para tudo: nascer, morrer, plantar, colher, construir, destruir, chorar, rir, gemer, bailar, abraçar, buscar, perder, ganhar, guardar, calar, falar, amar, odiar, guerrear, viver em paz. Se consumimos o tempo em produzir, esbanjamos o tempo de rir. Não podemos rir o tempo todo, o sabor do riso é mais intenso naqueles que experimentaram a dor, a dor própria e a de outros requer cuidadosa atenção, a intensidade da dor eleva o prazer no tempo de rir, quem pensa em colher aparelha-se para plantar, o exercício da profissão requer aperfeiçoamento. Os que só produzem, perdem, por erro de cálculo, o tempo de rir, de chorar, de amar, de viver, de morrer… Há falantes que desprezam o que outros têm a dizer. Observa-se a tendência de apagar a imagem da morte, já não se realizam cerimônias fúnebres em casa, pequenos não sabem o que é morrer porque os afastamos de corpos inertes.

Não temos tempo para nada?

Cristo morreu quando tinha escassos trinta e três anos e teve tempo para contemplar os lírios do campo, para aconchegar crianças, para conversar com pessoas solitárias, para frequentar festas, para reorientar desesperados; tempo para caminhar, falar, ouvir, morrer. Por esbanjarmos o tempo, por vendermos o tempo, por consentirmos que nos tomem o tempo, não temos tempo nem para amparar, acolher, conviver. Se nos falta tempo para pensar em morrer, a morte nos arrasta para o sem sentido. Não são infundadas as palavras de Paulo: “para mim o viver é Cristo e o morrer é ganho”.

Deus nos acompanha desde o momento em que abrimos os olhos, remove sombras, dá sentido ao que fazemos, resgata-nos de situações difíceis. Sábio é quem resiste a forças que transformam tempo em mercadoria. O tempo que necessitamos para refletir, para sonhar, para adorar, para agradecer, para cantar, para amar, para rir e para chorar, para ouvir e para adorar não está à venda. Quem resgata para si o momento que passa, o tempo de agora, experimenta o sentido, projeta o futuro – a lição vem de Cristo.

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias Relacionadas

Câmara homenageia os 200 anos de presença luterana

Pastor Aramis Jacoby representou a IELB em sessão solene no dia 16 de outubro

Veja também

Câmara homenageia os 200 anos de presença luterana

Pastor Aramis Jacoby representou a IELB em sessão solene no dia 16 de outubro

Aos professores, com carinho. E às crianças também!

Na escola se aprende a arte, o conhecimento, a complexidade e as resoluções de problemas que envolvem as áreas da ciência. Mas é em casa, através da vocação de pai e mãe, que os filhos de Deus são educados para a vida

Congregação São João celebra 75 anos

Presidente da IELB participou do culto festivo em Passo Fundo, RS, dirigindo a mensagem