Donaldo Schüler
Professor e escritor
Le Corbusier, arquiteto revolucionado, simplificou a moradia, destacou a cor branca, removeu ornamentos, projetou espaços funcionais, ideou prédios imensos compostos de grande número de unidades adaptadas à circulação de veículos, adequadas ao desenvolvimento industrial e comercial, declarou a casa uma máquina de morar. A casa é mais do que máquina. O Criador nos colocou numa casa, a atmosfera é o teto que nos protege do bombardeio de corpos estranhos, o sol e a lua iluminam o dia e a noite. Solo fértil, correntes líquidas, ares moventes preservam e renovam a vida. Encantam-nos noites enluaradas, delicia-nos a brisa da tarde à sombra de árvores, espantam-nos montanhas que se levantam de vales profundos, adormecemos ao murmúrio de regatos. Se agredimos as rochas, os minérios, o solo, a água, o ar, agredimos a casa que Deus nos deu como morada.
A casa universal divide-se em unidades que abrigam grupos. Orientados pela casa que recebemos, erguemos abrigos para nós mesmos e para os que nos são próximos: pais, cônjuges, filhos. Morada é o lugar em que se guardam recursos, lugar de planejamento, projetos. Mundos particulares são feitos de relações vividas, assumidas. Em convívio com outros conheço e me reconheço. A morada é lugar em que nos recolhemos dentro de nós mesmos. O habitar sabe ser silencioso, habitar é conversar com o Criador. Desertos alargam-se dentro nós. O deserto ameaça a vida. Aconselhamo-nos com o Criador para dinamizar o espaço habitável. Dádivas compreendem compromissos. Tive fome e me destes de comer, declara Cristo.
Participamos da construção do corpo em que moramos. O corpo é morada em construção, nunca concluída. Estar no mundo não se limita a estarmos juntos. Quem habita cultiva, produz, cuida. A esperança nos conduz, o que ainda não é poderá ser. A construção começa quando somos concebidos. Longos anos de aprendizado nos preparam para realizar tarefas que garantam a subsistência. Morar é construir, é construir-se, é aperfeiçoar as paredes que nos protegem. Estabelecemos vínculos afetivos com o lugar em que moramos, elaboramos redes afetivas com outros grupos. Participamos do esforço de oferecer casa para todos, saúde e alimentos para todos. Ameaçam-nos adversidades. Fora da casa nos sentimos desprotegidos; longe de casa, vem-nos o desejo de voltar.
Cristo recomenda cuidar de não levantar a casa sobre areia. Areais se movem, a areia ameaça a segurança dos que a elegeram como fundamento. A casa é espaço ameaçado: terremoto, enchente, incêndio, arrombamento, inquietações, dúvidas. Ideias, ideologias movem-se como dunas sopradas pelo vento. Deus nos ampara em solicitações superiores às nossas forças, Deus é o lugar de possibilidades infinitas.
Temos dificuldade em desprender-nos do que construímos. Todas as casas são provisórias. Acumular é prender-se, propriedades são algemas. Conduzidos por Cristo, caminhamos. Cristo nos promete morada mais segura do que as conhecidas, vivemos na esperança. A comunidade é o lugar em que nos reunimos para exprimir dúvidas, para refletir sobre o sentido da vida, para cantar, para agradecer, para louvar. Na comunidade caminhos convergem. As coisas podem ser diferentes.