O hábito da ingratidão

Têm coisas que fazemos automaticamente, sem pensar. São hábitos, costumes, rotinas. O nosso jeito de comer, andar, sentar, vestir, trabalhar, descansar, relacionar-se, escrever… Hábitos que podem ser bons ou ruins. Se nos acostumamos a sentar numa posição incorreta, com o tempo nossa coluna reclama. Parte disto vem da educação – de pais para filhos, de professores para alunos. Tanto que o cultivo dos maus hábitos tem nome: falta de educação. E parece que estamos vivendo tempos assim, de gente sem educação. Em quase tudo, mas especialmente nas palavras e nos gestos de um “muito obrigado”. Lembro-me, do tempo de criança, a correção dos meus pais “como se diz mesmo?” – advertindo quando nos esquecíamos de agradecer por um presente ou por um favor recebido.

– Obrigado mesmo, valeu, de todo o coração! Depois um abraço, um sorriso. São palavras e atitudes tão simples, tão importantes, mas que, de fato, estão em extinção – junto com alguns animais silvestres. Por que não se agradece? Por que tanta ingratidão ao Criador e ao próximo? Pode ser o orgulho, um sentimento que dificulta o reconhecimento da necessidade de um favor. Aliás, isto tem cara de ser o principal motivo da ingratidão tão característica na vida das pessoas nos dias atuais – a arrogância moderna. Podemos tudo, sabemos tudo, somos tudo… Uma presunção que está na alma de todos, mas hoje alimentada pela tecnologia que incha a nossa autoestima de forma tão soberba.

– Por que agradecer à maquina que eu controlo? Por que render graças ao Big Bang, à mãe natureza, às coisas que surgiram da evolução? Por que dizer obrigado ao mundo que está a minha disposição para me servir? Deus não existe, isto a ciência já provou. Então, por que ação de graças?

Estas ideias, evidentemente, não fazem parte de nossos valores. Mas, sem perceber, podemos seguir a onda. Foi o que fez a maioria daqueles leprosos, curados por Jesus. “Onde estão os outros nove?” (Lucas 17.17), perguntou o Salvador, admirado com aquele único que voltou para agradecer. Quem sabe alguns até queriam retornar para dizer “obrigado”, mas a insistência da turma foi forte e contagiou. Não é fácil permanecer na minoria, nos 10% de uma sociedade que nos empurra com toda a força para os encantos fugazes da vida. Não é fácil entrar na igreja e ver os bancos vazios, ou mesmo trazer toda a família aos cultos após uma semana cansativa e atarefada. O mundo, com seus entretenimentos, está aí com seu convite “venham a mim todos os que estão cansados e eu lhes darei folga”. Praia, serra, viagens, internet, televisão, um churrasquinho com os amigos – enfim, um montão de distrações bem mais aprazíveis do que um banco de igreja. Sem dúvida, não é fácil ficar entre os 10%.

O atual fenômeno hedonista – que gera ingratidão – em parte é explicado pelo argentino Sergio Sinay, no recente livro A sociedade que não quer crescer. A obra trata dos perigos de tentar viver eternamente adolescente: “Uma sociedade empenhada em permanecer adolescente vive no imediatismo […] na fuga das responsabilidades, na ilusão de ideais tão imprevistos como insustentáveis, na absurda luta contra as leis da realidade que obstruem seus desejos volúveis e ilusórios […] na busca do prazer imediato, ainda que se tenha que chegar a ele através de atalhos, na confusão intelectual, na criação e adoração de ídolos vaidosos colocados sobre pedestais sem alicerces”. O autor parafraseia Salomão que já tinha dito em Eclesiastes: “Tudo isto é ilusão, é como correr atrás do vento […]. Você ficará surdo, os seus cabelos ficarão brancos, e você perderá o gosto pelas coisas”.

Antes de ficar bem velho e esquecido, o pai de Salomão foi ao Templo e anunciou: “O Senhor Deus não nos deixa esquecer dos seus feitos maravilhosos” (Salmo 111.4). Em nossas cidades apinhadas de “santuários” do consumo e das distrações, deveríamos transformar tais palavras de Davi em oração: “Ó Senhor Deus, não nos deixes esquecer dos seus feitos maravilhosos”. É uma sábia prevenção para não cairmos no péssimo hábito da ingratidão.

*Texto publicado na edição de novembro de 2013.

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