Artur Charczuk
pastor e psicanalista
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Dica de leitura para o leitor deste artigo: O palhaço e o psicanalista, de Christian Dunker e Cláudio Thebas. Uma obra que visa aprofundar a importância da escuta, assunto bastante desafiador, dado que o mundo contemporâneo tem como característica principal o falar, a comunicação. Escutar é como caminhar em uma terra inóspita; basta você caminhar pela rua, tudo respira comunicação: imagens, propagandas, atitudes, modas e assim por diante. Escutar por entre os muros do falar é como o indivíduo que fica nas pontas dos pés, tentando enxergar o que tem do outro lado, ou seja, ninguém quer escutar muito hoje. Atualmente, o falar está estritamente relacionado com a performance do sucesso. Explicando: você precisa falar para vencer, você precisa falar para vender, você precisa falar para argumentar, etc. E o escutar? Eu nunca ouvi falar que o ato da escuta leva ao sucesso, ao aprimoramento, ao avanço e outros caminhos. Você já ouviu falar sobre cursos de escuta? Eu não. O carrossel da contemporaneidade gira a partir da palavra dita. Com isso, a leitura da obra aqui indicada é como entrar em uma porta falando mais, e após atravessar as tantas páginas, a pessoa fecha a porta escutando mais.
O livro tem um capítulo bastante interessante que fala sobre o escutar tupi. Não é um entendimento de escuta como a compreendemos; a escuta tupi parte de formas diferentes quando o assunto é escutar. A escuta da cultura tupi tem por objetivo perceber o outro que está falando. Vou elencar aqui:
1) ouvido direito: ligado ao que é ativo, o impulso;
2) ouvido esquerdo: ligado ao acolhimento, abertura;
3) ouvido terra: é o que é tátil, do concreto;
4) ouvido água: é a parte emocional do sujeito, do afeto;
5) ouvido ar: é a parte da reflexão, argumentação;
6) ouvido fogo: é o convite para decidir as coisas, com intuição;
7) a integração dos ouvidos: é a simultaneidade, uma escuta integrada.
(DUNKER; THEBAS, 2021)
É muito interessante o que acontece no relacionamento tupi; em outros termos, eles procuram perceber os movimentos do outro. “[…] os indivíduos da tribo vão igualmente reconhecendo qual a característica de escuta de cada integrante da aldeia (DUNKER; THEBAS, 2021, p.165). Ao mesmo tempo, tal escuta propicia o exercício da empatia. “Por exemplo, se reconheço no outro a escuta da terra (concreta, tátil) posso, por exemplo, iniciar a conversa dizendo: “Sabe o que me toca em você?” […]” (DUNKER; THEBAS, 2021, p.165). O povo tupi compreendeu o ato de escutar com as relações do dia a dia, com a troca de experiências, ensinando, perguntando (DUNKER; THEBAS, 2021). A escuta tupi não é simplesmente receber uma demanda de palavras, é muito mais, isto é, é reconhecer as características de cada sujeito que está escutando (DUNKER; THEBAS, 2021). Para os tupis, a pessoa que escuta bem é mais importante do que a que fala bem. “A importância da escuta para os povos tupis se traduz no termo que utilizam para designar o cacique: Acanguatara. Esta palavra significa Cabeça Boa de Escutar” (DUNKER; THEBAS, 2021, p.166). É uma afirmação um tanto considerável; em outras palavras, para a realidade moderna, soa até como algo estrangeiro, que não é daqui. Por fim, a escuta tupi é um convite para uma reflexão por entre tantos barulhos e vozes de todos os tipos e alturas: não é simplesmente escutar, mas perceber o escutar. A escuta também comunica, entretanto, não o som como o conhecemos, ela é uma tradução silenciosa, mais límpida do que muitos ruídos por aí.
Escutar, de acordo com o homem moderno, é fácil, mas escutar o escutar, bem, o caminho é um pouco mais longo. E para nós, cristãos, é importante frisar: o ministério de Jesus Cristo, além do anúncio do evangelho através da fala, Cristo também o anunciou pela escuta. Escutou das mais variadas pessoas, dos mais variados problemas; sim, o Salvador anunciou por meio do silêncio, do simplesmente olhar para o outro com amor, com total escuta. Não deixe de escutar o outro, escute, simplesmente escute. De fato, o período quaresmal é o convite para meditarmos sobre o sofrimento de Cristo Jesus, o Deus que anunciou, o Deus que escutou.
REFERÊNCIA
DUNKER, Christian Ingo Lenz e THEBAS, Cláudio. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. 2.ed. São Paulo: Planeta, 2021.