O criador e a criatura obstinada

“Levanta-te” é ordem que vem do Criador. A voz divina dirige-se a Jonas, um homem feito à imagem de Deus. A face de Deus se ilumina na invenção, na renovação, na redenção. O Criador convoca criaturas para ingressarem na comunhão dos que criam. Jonas fecha os olhos à luz da voz divina, escolhe a inatividade, a escuridão, o aniquilamento. A tarefa proposta ao inativo destaca-se entre dificuldades, Deus manda que Jonas vá à grande cidade de Nínive e anuncie a ruína aos que trilham caminhos perigosos. Jonas vive indiferente ao bem-estar de sua própria cidade, não se dedica a atividade alguma. Que interessa a Jonas a sorte dos ninivitas?

Jonas se levanta não para cumprir a ordem que vem do alto, prepara-se para fugir. Parte com intenção de alcançar os confins da terra, esconde-se da presença de Deus, Jonas quer esquecer e ser esquecido, foge de sua gente, de si mesmo, embarca no primeiro navio que o leve ao anonimato. Sopram ventos, as ondas erguem-se violentas, balança o barco, os marinheiros jogam fardos ao mar para evitar o pior. Jonas é capaz de dormir no fundo do navio na maior das tempestades. Quando todos lutam pela vida, Jonas encerra-se em si mesmo, recusa auxílio. Fecha olhos e ouvidos aos apelos. Importunado pelo alvoroço, carregado de culpa, adverte que a carga perigosa é ele mesmo. Lançado no mar, Deus realiza a vontade do rebelde, afunda-o em abismos mais distantes do que Társis, leva-o à raiz das montanhas, Jonas se aproxima do fundo tenebroso (Xeol), sente-se no ventre de um monstro marinho, confinamento de que não há evasão. O braço do Senhor não falha nem nas regiões mais escuras. O Invisível ilumina o visível, nas trevas brilha a face de Deus, contra cálculos e expectativas, Jonas é lançado ao continente. Contra seus propósitos, o rebelde entra em Nínive, percorre o labirinto de ruas, prega o aniquilamento como lhe foi ordenado. O pregador não espera que algo se modifique. Duvida do poder da palavra.

Fatos misteriosos ocorrem em Nínive, tão estranhos que não deixaram registro em documentos. Inesperadamente todos se reconhecem culpados, desde o rei até o mais desprotegido dos andarilhos. A iluminação é invisível, é interior. A ira revela-se misericórdia. Nínive desperta iluminada, ordeira. Estranha é a reação do pregador, em lugar de se alegrar com o êxito, lamenta o perdão.

Jonas se isola, foge sem jamais se encontrar. Encontrar-se, seria reconhecer deficiência, culpa, peculiaridades que aparecem na presença de Deus. Por não reconhecer a condição faltosa, consome-se em dias fúteis, comove-se com o fim de uma planta de vida curta, sem futuro, cai na tristeza, roga a morte, destino dos que rejeitam a vida, dom de Deus. Resistente à revelação, Jonas cai num abismo mais profundo do que aquele que o assombrou no fundo do mar.

Adversários provocam o Redentor. Que realize maravilhas! Quando as hostilidades crescem, Jesus lembra Nínive, realiza voluntariamente a tarefa a que Jonas se opõe. O Filho de Deus liga o passado a empreendimento futuro, mergulhará na morte para anunciar, através de embaixadores, esperança a Jerusalém, a Roma, a Nova Iorque, a São Paulo, a todas as cidades do mundo. Cristo redime os que fogem, mostra a vida a abismados, revela a alegria da vida restaurada.

Os que se limitam a atuar no horizonte estreito de seus interesses perdem a oportunidade cuidar, inventar, renovar. Contrária à letargia dos inativos, a ação divina derruba impossíveis, salva perdidos em profundezas inalcançáveis, converte conglomerados resistentes.

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