O jejum é uma prática devocional luterana?

O jejum é uma prática religiosa que tem sido realizada por muitos séculos em várias tradições religiosas, incluindo o cristianismo. Na perspectiva luterana, o jejum é uma disciplina espiritual que tem como objetivo nos ajudar a nos concentrarmos em Deus e a nos afastarmos das distrações da vida cotidiana.

Érisson L. Ferreira
Pastor
Campo Grande, Rio de Janeiro, RJ

O jejum é uma prática religiosa que tem sido realizada por muitos séculos em várias tradições religiosas, incluindo o cristianismo. Na perspectiva luterana, o jejum é uma disciplina espiritual que tem como objetivo nos ajudar a nos concentrarmos em Deus e a nos afastarmos das distrações da vida cotidiana.

Na Bíblia, o jejum é frequentemente associado à oração e ao arrependimento. Por exemplo, em Joel 2.12-13, Deus diz: “Ainda assim, agora mesmo, diz o Senhor: ‘Convertam-se a mim de todo o coração; com jejuns, com choro e com pranto. Rasguem o coração, e não as suas roupas’. Convertam-se ao Senhor, seu Deus, porque ele é bondoso e compassivo, tardio em irar-se e grande em misericórdia, e muda de ideia quanto ao mal que havia anunciado”.

Nosso Senhor Jesus também acolhia o jejum em sua prática devocional. Há o registro de que ele tenha jejuado certa vez por 40 dias e 40 noites no deserto antes de iniciar seu ministério público (Mt 4.1-2). E ele ensinou seus discípulos a jejuarem em particular, não para impressionar os outros, mas para se concentrarem em Deus (Mt 6.16-18).

Na tradição luterana, o jejum é visto como uma oportunidade de nos aproximarmos do Senhor, nos humilharmos diante dele e nos arrependermos de nossos pecados. Durante a Quaresma, que é um período de 40 dias que antecede a Páscoa, muitos luteranos jejuam como uma forma de se prepararem para a celebração da ressurreição de Jesus. No entanto, é importante lembrar que o jejum não é uma obrigação religiosa, mas, sim, uma disciplina espiritual opcional. Em seus escritos devocionais, Martinho Lutero enfatizou que a salvação se dá pela graça de Deus, não pelas obras humanas, incluindo o jejum.

Portanto, o jejum, em nossa confessionalidade, não é uma tentativa de ganhar a salvação, mas, sim, uma forma de expressão de nossa espiritualidade, de nos concentrarmos na presença de Deus em nossas vidas. É comum, no período de Quaresma, que alguns irmãos optem por jejuar de certos alimentos ou atividades como forma de lembrar a importância da oração, da meditação e do arrependimento em suas vidas. Entendamos que o jejum é uma disciplina espiritual importante na tradição luterana, que ajuda a nos concentrarmos em Deus e a nos prepararmos para a celebração da Páscoa. Ressaltamos que o jejum não é uma obrigação, mas uma opção pessoal para aqueles que desejam se aproximar de Deus de uma forma mais profunda durante a Quaresma.

Como as Escrituras sustentam essa devoção espiritual?

Existem muitas passagens bíblicas que sustentam a prática do jejum tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Abaixo, destacamos algumas dessas passagens:

Antigo Testamento:

•         2Samuel 12.16-23: Davi jejuou e orou pela vida de seu filho que estava doente.

•         Esdras 8.21-23: Esdras e seus companheiros jejuaram e pediram proteção a Deus em sua jornada.

•         Joel 2.12-13: Deus ordenou ao povo que jejuasse e se arrependesse de seus pecados.

•         Isaías 58.3-7: Deus repreendeu o povo por jejuar sem ter uma atitude de humildade e bondade para com os outros. Ele indicou que o jejum deve ser acompanhado por uma atitude de amor e justiça.

Novo Testamento:

•         Mateus 6.16-18: Jesus ensinou seus discípulos sobre como jejuar em particular e não para impressionar os outros.

•         Atos 13.2-3: Os líderes da igreja em Antioquia jejuaram e oraram antes de enviar Barnabé e Paulo em sua primeira jornada missionária.

•         1Coríntios 7.5: Paulo instruiu os cônjuges a jejuarem e orarem juntos por um tempo determinado para evitarem tentações.

No período da Reforma Protestante, no século 16, práticas abusivas da piedade, como a autoflagelação, foram abolidas por representarem obras mortas contra o próprio corpo, habitação do Espírito Santo (1Co 3.16; 1Pe 2.5,9). Lutero não condenou a prática do jejum, mas acreditava que ele não era necessário para a salvação. Nos seus catecismos, deu orientações sobre como os cristãos podem praticar o jejum de maneira significativa e útil. Ele sugeriu que o jejum deveria ser feito com moderação e não com o objetivo de impressionar os outros. E enfatizou que deve ser acompanhado por oração e leitura da Bíblia para que possa ser uma disciplina espiritual útil.

Uma proposta devocional para o período de sete dias de jejum pode ser estruturada da seguinte maneira:

Dia 1: Jejue durante todo o dia e dedique tempo extra à oração e à meditação sobre um salmo de sua escolha. Leia o salmo em voz alta e reflita sobre suas palavras. Pergunte-se como você pode aplicar as verdades do salmo à sua vida diária.

Dia 2: Jejue durante todo o dia e dedique tempo extra à oração e à meditação sobre a vida de Jesus. Leia os evangelhos e medite sobre a maneira como Jesus jejuou e orou. Reflita sobre a importância da disciplina espiritual do jejum e como ela pode ajudá-lo a se aproximar de Deus.

Dia 3: Jejue durante todo o dia e dedique tempo extra à oração e à meditação sobre a sua própria vida. Faça uma lista de suas preocupações e orações, e leve-as diante de Deus. Reflita sobre as coisas pelas quais você é grato e agradeça a Deus por sua bondade.

Dia 4: Faça uma pausa no jejum e dedique tempo extra à leitura da Bíblia. Escolha um livro e leia-o com calma, prestando atenção às palavras e mensagens do autor. Reflita sobre o que você aprendeu e ore para que Deus lhe dê sabedoria para aplicar essas verdades à sua vida diária.

Dia 5: Jejue durante todo o dia e dedique tempo extra à oração e à meditação sobre a necessidade de perdão. Reflita sobre as pessoas em sua vida que você precisa perdoar e as pessoas que precisam perdoar você. Ore por coragem para pedir perdão e para perdoar àqueles que lhe fizeram mal.

Dia 6: Jejue durante todo o dia e dedique tempo extra à oração e à meditação sobre a esperança. Reflita sobre as promessas de Deus na Bíblia e como elas se aplicam à sua vida. Ore para que Deus lhe dê esperança e confiança em sua bondade.

Dia 7: Faça uma pausa no jejum e dedique tempo extra à gratidão. Liste as bênçãos em sua vida e agradeça a Deus por elas. Compartilhe essas bênçãos com aqueles ao seu redor e ore para que Deus lhe dê um coração grato e generoso.

Essa proposta de jejum devocional para sete dias pode ser adaptada e modificada de acordo com as necessidades e preferências de cada pessoa. O importante é que seja uma disciplina espiritual significativa e útil para o crescimento espiritual e aprofundamento da relação com Deus.

Certamente, é importante lembrar que qualquer mudança na dieta ou rotina de alimentação deve ser sempre discutida com um profissional de saúde, especialmente no caso de pessoas com condições delicadas de saúde, como pacientes diabéticos. Aqui estão algumas sugestões de jejum adaptado para sete dias para pessoas diabéticas:

1. Jejum intermitente: o jejum intermitente é uma prática que envolve períodos alternados de alimentação e abstinência de alimentos. Uma opção seria o jejum de 16 horas, no qual a pessoa faz suas refeições dentro de uma janela de 8 horas por dia. Por exemplo, pode-se optar por fazer as refeições entre as 10h e as 18h e, em seguida, jejuar até as 10h do dia seguinte.

2. Jejum de carboidratos: essa prática envolve a redução de carboidratos na dieta. Neste caso, pode-se optar por uma dieta com baixo teor de carboidratos, como a dieta cetogênica, que enfatiza o consumo de proteínas e gorduras saudáveis.

3. Jejum de sólidos: esta opção de jejum envolve a abstinência de alimentos sólidos, mas permite o consumo de líquidos, como água, chás sem açúcar e café sem açúcar. É importante lembrar que mesmo nesse tipo de jejum, pessoas diabéticas devem monitorar seus níveis de açúcar no sangue e ajustar as doses de insulina ou medicamentos, se necessário.

4. Jejum parcial: esta prática envolve a redução das calorias ingeridas durante o dia, mas não a abstinência total de alimentos. Por exemplo, pode-se optar por uma dieta de 500-600 calorias por dia durante os sete dias de jejum. É importante ressaltar aos diabéticos que monitorem seus níveis de açúcar no sangue e ajustem suas doses de insulina ou medicamentos, se necessário.

5. Jejum de alimentos específicos: essa opção envolve a abstinência de alimentos específicos, como açúcar refinado, alimentos processados e carboidratos simples, enquanto se mantém uma dieta saudável e equilibrada. Aplica-se aqui o mesmo alerta das sugestões anteriores aos pacientes diabéticos.

É importante lembrar que cada pessoa é única, e as opções de jejum podem ser adaptadas de acordo com as necessidades e condições de saúde individuais. É altamente recomendável discutir qualquer mudança na dieta ou rotina de alimentação com um profissional de saúde, especialmente para pessoas com diabetes.

Referências

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada:  antigo e novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2.ed. rev. e atual. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

LUTERO, Martinho. O catecismo menor. Tradução de Walter Altmann. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

LUTERO, Martinho. O catecismo maior. Tradução de Walter Altmann. São Leopoldo: Sinodal, 2014.

LUTZENBERGER, Christian. O jejum e a quaresma: uma prática libertadora. In: SCHNEIDER, Paulo (Org.). Fé e vida: estudos teológicos e bíblicos. São Leopoldo: Sinodal, 2018. p.151-162.

PAIVA, Rodrigo. Jejum: prática cristã e disciplina espiritual. Revista Teológica, São Paulo, v.14, n.2, p.79-91, 2019.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2019-2020. São Paulo: AC Farmacêutica, 2020.

STARK, Rodney. The rise of Christianity: a sociologist reconsiders history. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1996.

WILLIAMS, Robin R. Fasting: a way to wellness and spiritual renewal. Revised ed. New York: Paulist Press, 2001.

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