Miriam Raquel W. Strelhow
Psicóloga
São Paulo, SP
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Nas últimas décadas, diferentes iniciativas têm surgido para ressaltar a importância de se falar e refletir sobre saúde mental. Uma delas é a campanha Setembro Amarelo – uma campanha internacional, que também tem sido realizada no Brasil, destinada à prevenção ao Suicídio (ato de tirar a própria vida). Embora o dia 10 seja oficialmente considerado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, a iniciativa acontece durante todo o ano, e com ações específicas durante o mês de setembro.
Mas por que falar de saúde mental? E mais especificamente, será que precisamos nos preocupar com a saúde mental dos adolescentes?
Por um lado, a adolescência é considerada uma etapa da vida de boas condições de saúde no geral. Adolescentes adoecem menos, por exemplo, quando comparados com crianças pequenas, ou com idosos. Por outro lado, é a fase da vida em que há um aumento de diagnósticos relacionadas à saúde mental. Segundo o relatório Situação Mundial da Infância 2021, estima-se que quase um em cada seis adolescentes entre 10 e 19 anos de idade no Brasil sofra com algum transtorno mental. Justamente esses adolescentes são os que estão mais expostos ao risco de problemas como automutilações e suicídio, sendo que o suicídio é uma importante causa de morte no mundo todo, ocupando o terceiro lugar entre adolescentes de 15 a 19 anos no Brasil.
Adolescência
Adolescência é um período do ciclo vital marcado por muitas mudanças. Especialmente a puberdade – fase inicial – traz consigo transformações importantes nos aspectos físicos, como rápido crescimento, mudanças na voz, amadurecimento dos órgãos sexuais, dentre outras, além de grandes alterações nos hormônios e no desenvolvimento cerebral. Não podemos esquecer que, junto com essas mudanças biológicas, às quais o/a adolescente precisa se adaptar, ocorre também a vivência de novas experiências sociais e afetivas, especialmente com grupos de amigos. Além disso, passa a assumir novas exigências e responsabilidades, em geral, precisando tomar decisões acerca de sua vida, relacionadas ao mundo do trabalho e do estudo e também sobre relacionamentos. Tudo isso marca a consolidação da sua identidade – como o/a adolescente se vê, como ele/ela se percebe no mundo, quais valores lhe são importantes.
Todas essas vivências podem gerar desconforto, pois exigem do/da adolescente – e das pessoas que convivem com ele/ela – adaptações e novas formas de se relacionar. Também provocam mudanças na forma de pensar e nas emoções, e geram novas preocupações, como com o futuro, com a sua própria imagem, com se sentir aceito e integrado aos amigos. Nessa etapa, a opinião das outras pessoas, especialmente as da mesma idade, tem um peso muito grande nessas questões.
Todos esses fatores podem diminuir o bem-estar e/ou gerar mais ansiedade para o/a adolescente. Por vezes, o sofrimento torna-se mais intenso e pode haver o desenvolvimento de transtornos mentais, como a depressão. Uma das preocupações que pais, professores e profissionais de saúde têm relatado é sobre a ocorrência de automutilação.
Automutilação
Refere-se a qualquer comportamento intencional envolvendo uma agressão direta ao próprio corpo (por exemplo, cortes ou furos). Essa agressão não tem intenção consciente de suicídio, mas é considerada como fator de risco para tal. Podemos nos perguntar: como alguém poderia querer se machucar ou causar dor a si mesmo? Especialmente, como um adolescente pode pensar nisso?
Especialistas consideram o ato da automutilação como tendo diferentes causas, mas alguns aspectos têm se destacado como fatores de risco, ou seja, que aumentam as chances de isso acontecer: presença de transtornos mentais (como depressão, por exemplo); uso de drogas; bullying ou cyberbullying (bullying realizado no ambiente virtual) ou outras formas de violência, como violência doméstica/familiar.
Em geral, a automutilação acontece quando a pessoa se vê diante de um sofrimento emocional muito intenso, de forma que os machucados autoprovocados são uma forma que ela encontra de lidar com essa questão. Ao ter uma dor física em evidência, a dor emocional pode ser – mesmo que momentaneamente – diminuída. Por vezes, pode ser menos difícil suportar uma dor física que uma dor emocional.
O que podemos fazer?
Auxiliar para que adolescentes possam estabelecer relacionamentos saudáveis, boas redes de apoio, com quem saibam que podem contar, como vínculos de amizade (na escola, na igreja), com a família e, em especial, com os pais, são aspectos importantes para a prevenção e a promoção de saúde mental. Importante lembrar que embora os/as adolescentes nessa fase da vida se aproximem mais dos amigos, os adultos de referência, como os pais/responsáveis e os professores, continuam tendo um papel importante de referência e apoio.
Em situações em que chega a acontecer a automutilação, é fundamental que essas pessoas mais próximas possam acolher o/a adolescente, demonstrando amor e cuidado, e busquem acompanhamento profissional (psicólogos, médicos, psiquiatras, coordenadores de escolas, por exemplo, são pessoas que podem indicar caminhos). Importante: muitas vezes, ações assim, especialmente quando provocadas por um/uma adolescente, são vistas como “frescura” ou uma “forma de chamar a atenção”. A primeira coisa que pode ajudar alguém que está vivenciando uma situação assim é a compreensão de que por trás dos gestos há um sofrimento intenso e a necessidade de apoio. Precisamos lembrar que o adolescente possui pouca experiência, está aprendendo a lidar com as situações da vida, o que inclui o sofrimento. Essa aprendizagem é um processo, que precisa de apoio.
Cabe aos adultos estarem atentos à identificação de sofrimento emocional, sinais e sintomas – como: tristeza, isolamento, mudanças repentinas de comportamento em casa ou em sala de aula, choro intenso ou irritabilidade persistente. Especificamente em casos de automutilação pode haver uma insistência no uso de roupas compridas, que escondam o próprio corpo. Esses podem ser alguns sinais de alerta.
A saúde mental e o bem-estar das pessoas com as quais convivemos é um aspecto precioso da vida. Importante sempre estarmos atentos uns aos outros, cuidarmos uns dos outros e nos apoiarmos diariamente.
Clique aqui para conferir a sugestão de material de apoio para pais e educadores.
OBSERVE OS SINAIS
Pessoas que pensam em se machucar ou tirar a própria vida às vezes falam sobre isso – ou, simplesmente, podem dar pistas das suas intenções – verbalizando como, por exemplo, ao dizer: “Estou cansado de viver”, “Eu só queria desaparecer”, “Não aguento mais essa vida”, ou “Nunca conseguirei ser feliz”.
Exemplos de pensamentos de autocrítica: “Eu me acho uma pessoa incapaz e sem habilidades de fazer as coisas de maneira correta”, “Eu me acho um burro” ou ainda “Sou um desempregado e vagabundo”.
Alguns destes comportamentos são: isolamento, impulsividade, tristeza constante, distorção de imagem corporal, dificuldade de relacionamento com pessoas da mesma idade, insegurança, queda no desempenho escolar, crises de raiva, baixa autoestima, atração por comportamentos de risco, dentre outros.
Comportamentos de risco: consumo de álcool e outras drogas, começo de vida sexual precoce e, principalmente, as lesões que nunca cicatrizam, arranhões, falta de cabelo em locais específicos da cabeça, mordidas, manchas, queimaduras que sempre surgem sem explicação. Mas, atenção: muitas vezes essas lesões ficam em locais escondidos, nem sempre são nos braços ou pernas.
Algumas perguntas para guiar a conversa em casa ou na escola: Você já sentiu vontade de se cortar? Quando fez esses ferimentos, você pensava em quê? O que sentia? Você já sentiu vontade de desaparecer ou morrer? Quantas vezes você repete esses ferimentos por semana, dia?
ONDE BUSCAR AJUDA
Profissionais como psicólogos, professores e pastores também podem ser acionados. Lembre-se que a saúde mental requer uma rede de apoio. Pensando nisso, a Hora Luterana e o Vivenciar.net desenvolveram um espaço de apoio com recursos necessários para a campanha de Setembro Amarelo. O site vocenaoestaso.org foi criado especialmente para facilitar o trabalho de todos que irão participar das ações de prevenção ao suicídio, que acontecerá na semana de 9 a 15 de setembro.
“Você não está só” é uma campanha da Hora Luterana que tem como objetivo conscientizar as pessoas sobre a importância da prevenção ao suicídio, por meio da distribuição do livrete “Prevenção ao Suicídio”.
Acesse o site neste QR code e conheça mais sobre o programa e como participar para ajudar o maior número possível de famílias, oferecendo suporte e esperança em momentos de necessidade. Assim, podemos fazer a diferença e preservar a vida de muitas pessoas.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) também é um canal de atendimento que realiza um importante serviço de apoio emocional e de prevenção ao suicídio. Discando 188 no telefone, encontra-se um atendimento gratuito onde voluntários estarão prontos para lhe ouvir e ajudar. Caso seja difícil falar, você poderá também escrever: acessando o site www.cvv.org. br há um espaço para envio de e-mails e mensagens.
Acesse aqui a versão impressa.