Vilson Scholz
Professor de Teologia no Concordia Seminary
St. Louis, MO, USA
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Tudo que acontece num Pentecostes ou está relacionado com Pentecostes pode ser chamado de pentecostal. Mas, caso alguém perguntasse se a celebração da festa de Pentecostes faz de você um “pentecostal”, é bem provável que a resposta seria “não”. Acontece que, em nossos dias, o adjetivo “pentecostal”, que significa “relativo ao Pentecostes”, foi como que “sequestrado” pelo movimento pentecostal, que começou nos Estados Unidos no início do século 20.
A palavra Pentecostes vem do grego (como tantas outras palavras do português), e até por isso ela soa estranha. É uma transcrição do adjetivo grego pentekosté, que acompanha a palavra dia (normalmente omitida) e que então designa o “dia de número cinquenta”. Pentecostes era (e ainda é) uma festa celebrada cinquenta dias depois da Páscoa.
Os termos “Pentecostes” e “pentecostal” apenas são usados porque existiu aquele primeiro Pentecostes cristão, conforme o relato de Atos dos Apóstolos, capítulo dois. Segundo esse texto, estavam todos (os apóstolos? os seguidores de Jesus?) reunidos no mesmo lugar, em Jerusalém. Foi então que, de repente, sem preparo ou pedido, veio do céu um som como de um vento forte. O som era como de um vento, mas não necessariamente um vento. Esse som encheu a casa onde eles estavam sentados. O detalhe do “estavam sentados” é importante, porque indica que não estavam em oração. Os judeus costumavam orar de pé. Em seguida, apareceram línguas que pareciam de fogo. Elas só pareciam; ninguém se queimou. As línguas se separaram e pousaram sobre cada um deles, provavelmente sobre a cabeça. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem.
Nesse relato aparecem elementos que se tornaram importantes para o movimento pentecostal, em especial esse “ficar cheio do Espírito Santo” e as “outras línguas”. Ficar cheio do Espírito Santo é, com certeza, uma forma de falar, pois subentende que a pessoa é um recipiente que se pode encher. Ficar cheio do Espírito é uma forma de dizer que a ação do Espírito Santo foi marcante, dando aos seguidores de Jesus uma capacidade que, por si só, eles não tinham. Essa capacidade era falar em “outras línguas”. Que línguas? Línguas que eles não conheciam ou nunca tinham falado, talvez a língua dos partos, dos medos, dos elamitas, etc., conforme Atos 2.
E aqui se revela um engano ou uma leitura superficial do texto de Atos que, de certa forma, desautoriza o uso do termo “pentecostal” para designar esse movimento entusiasta que começou em 1910. Muitos pentecostais insistem no “falar em línguas” como sinal da presença do Espírito Santo. Mas esse balbuciar coisas sem sentido não tem nada a ver com o que aconteceu no Pentecostes, pois naquele dia as pessoas entenderam o que os seguidores de Jesus falavam. Esse “falar em línguas”, esse “falar para Deus que ninguém entende” (1Co 14.2) aparece na Primeira Carta aos Coríntios. (Só que ficaria estranho sugerir que o movimento pentecostal é o movimento coríntio ou corintiano…) Em outras palavras, aqueles que, no século passado, deram início ao movimento entusiasta e o chamaram de “pentecostal” leram mal ou leram errado o texto de Atos 2. Mas, agora que o nome foi criado, não tem mais como mudar.
O Pentecostes é a festa do Espírito Santo. Do Espírito Santo pouco se fala no meio luterano. Até parece que o Espírito Santo é patrimônio exclusivo dos pentecostais, o que é um equívoco. Do Novo Testamento (veja 1Coríntios 12.3) sabemos que ninguém pode dizer que Jesus é Senhor, a não ser pelo poder do Espírito Santo. Isso significa que não existe cristão que não tenha o Espírito Santo.
O assunto do Pentecostes sugere mais duas observações. Costuma-se dizer que o Pentecostes é o aniversário da igreja cristã, que teria sido fundada naquele dia. Isso não confere. A igreja já existia antes do Pentecostes (em Atos 2), tanto assim que no capítulo anterior (Atos 1) ela já elegeu um apóstolo! A igreja começou, como igreja de Cristo, no dia em que Jesus chamou os primeiros discípulos. No Pentecostes começou a missão cristã, a pregação aos povos de todo o mundo.
A outra observação tem a ver com a tese de que o Pentecostes de Atos 2 foi “a inversão de Babel”, relatada em Gênesis 11. Essa conexão entre Atos 2 e Gênesis 11 pode ser feita, mas ela não aparece no livro de Atos. No entanto, uma “inversão” de Babel implicaria a volta de uma língua única ou a reunião de todos os povos outra vez no mesmo lugar. O Pentecostes não foi isso. No Pentecostes, o Espírito Santo colocou a igreja cristã nos caminhos que levam a todos esses que, a partir de Babel, falam essas sete mil línguas que ainda existem no mundo de hoje. O Pentecostes não é, em si, a inversão de Babel; o Pentecostes é a solução para Babel. O Pentecostes foi (e ainda é) a dispersão da igreja para alcançar com o evangelho aqueles que foram dispersos em Babel.