A queda que abalou o mundo

Saulo (Paulo) combatia um movimento que reunia seguidores do Crucificado, não sabia bem quem eram, tinha-os como dissidentes que se afastavam da lei, os do “caminho”, eram conhecidos assim. Que mal havia em ser do caminho? Não era o caminho dele, não era o caminho do grupo a que pertencia, bastava isso para ameaçá-los de extinção, os do caminho punham em risco uma tradição robustecida por hábitos seculares, Saulo quis impedir que a nova doutrina se espalhasse, pediu autorização para capturá-los na vizinha Damasco – homens e mulheres. O perseguidor tinha chegado a Jerusalém depois dos acontecimentos que levaram o guia ao Calvário. Perto de Damasco, Saulo tomba, ofuscado por luz intensa. Há acontecimentos que não alteram nada, a queda de Saulo abalou princípios, projetos de vida. Rola no chão o homem que empunhava a espada em defesa de normas que lhe pareciam inquestionáveis. Jesus tinha aparecido como profeta, mestre, messias, ressurreto, surge agora como perseguido. Em jogo está o presente e o futuro do perseguidor e dos perseguidos. Saulo, de olhos cerrados, vê mais do que a face de Jesus, vê o que olhos não veem; esplende a figura do Ungido, Cristo, o Messias, o finito abre as portas a revelações infinitas. No jato de luz, percebido só por ele, soam palavras: Saulo, Saulo, por que me persegues? (Atos 9.4.)

Por quê? Para Saulo não havia porquês, havia certezas. Desde a infância tinha sido instruído por gente que sabe. O saber que o conduzia tinha-se avolumado por séculos. Saulo vivia num mundo dividido. Outras divisões do judaísmo já tinham sido absorvidas: os essênios, com o propósito de viver vida pura, distanciavam-se em comunidades seletas, os saduceus, simpáticos ao pensamento grego, ocupavam lugares de destaque na administração do culto judaico, Saulo era fariseu, rigoroso observador da lei. Crescia o número dos que se declaravam do caminho, opunham-se decididos a ritos antigos. Saulo, nascido em Tarso e residente em Jerusalém, declarou-se partidário intransigente da tradição. Por quê? Essa pergunta lhe vem na marcha a Damasco pela primeira vez. A luz obscurece imagens, a cegueira afeta o presente, o passado, o futuro. Na mente de Saulo obscurecia-se o que há pouco era claro.

Caravaggio, pintor cujo valor cresce entre cultores de artes visuais, destaca a queda (1661). O guerreiro – momentos atrás ilustrado, decidido, forte, pleno – expressa na posição e nos gestos convicções reduzidas a nada. Enigmático é o quadro de Caravaggio. Sem sela, o cavalo não é montaria de guerreiro; conduzido no freio por um condutor escondido na sombra, o animal inclina a cabeça com olhar de piedade, detém a pata que poderia ferir o soldado caído. O vencido dirá mais tarde que a natureza geme por redenção; na pintura de Caravaggio, a natureza exprime a carência na atitude abatida do animal. O quadro mostra o corpo de um cavalo iluminado por uma luz que vem do alto. Saulo, de costas sobre o solo levanta mãos espalmadas, os braços emolduram o espaço vazio. O vazio escurece imagens, dilata-se em território sem limites.

Saulo invoca o poder que o derrubou: “Senhor”. Ouve em resposta “Eu sou…”. “Sou o que sou” espantou outrora Moisés, o libertador dos israelitas escravizados por mandantes egípcios. O “Eu sou…” desce do alto a ouvidos aflitos: “Eu sou o Jesus que tu persegues.” A Saulo aparece aquele que está acima de todas as faces, de todas as divisões, aquele que aproxima, reconcilia, redime.

Continuamos “no caminho”, a voz que reanimou Paulo nos conduza no ano em que agora ingressamos!

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