Artur Charczuk
pastor e psicanalista em São Leopoldo, RS
A vida do ser humano é permeada de perdas. Elas são das mais variadas condições: um emprego frustrado, um namoro terminado, um projeto que não foi concluído por determinadas questões e assim por diante. A pessoa pode até tentar recuperar alguns dos exemplos citados anteriormente, pode dar certo ou não; entretanto, a morte é a última e significativa perda, uma vez que não é possível trazer de volta o ente querido. Lidar com a morte é um exercício árduo nas sociedades contemporâneas. Ela está inscrita na condição humana, é um fenômeno universal, fazendo irromper no indivíduo um leque de emoções. Com isso, a imagem vívida da pessoa amada, no sujeito, entra em choque com a nova configuração provocada pelo desfecho da morte.
A representação do outro que habita na pessoa, de um lado, fica sendo investida por um amor que tenciona para a sua existência; e, do outro, está a dura realidade da sua não permanência. Com tal cenário, o palco da consternação é erguido; em outras palavras, uma ferida é aberta no psíquico. O indivíduo sente dor, ela é uma atitude reativa diante de uma contrariedade que invade o espaço psíquico. A dor acontece porque o afastamento daquele que se ama é percebido. O enlutado, além de divisar a perda do outro, também perde o lugar que ocupava a partir do outro, podendo ser como filho, irmão, amigo, pai ou mãe. Todo o tipo de afeto que era sustentado no outro é repentinamente arrematado. É o sentimento de impotência diante daquilo que não pode ser alterado, todavia, sob outra perspectiva, a morte mostra a força do vínculo que o indivíduo tinha com o falecido. O luto é o processo que será experienciado por todos, ele é uma certeza.
LUTO NÃO É LUTA!
O tecido social contemporâneo é marcado pelo dinamismo, ele é movido por constantes idealizações. Quando escrevo sobre idealização, afirmo que o corpo social nunca está satisfeito com os resultados atingidos, ele sempre quer mais do cidadão, narremos assim; o ser humano possui uma constante obrigação internalizada de superar desafios, sendo assim, buscando resultados cada vez mais efetivos. Consequentemente, o combustível da sociedade é a afirmação do eu, ela ambiciona comportamentos que visam constituir indivíduos voltados para o alto desempenho. Ocasionando nas pessoas tendências perfeccionistas, melhor dizendo, é quando o sujeito é submisso à imagem de um dado ideal e que está sempre tentando alcançar. Com o advento das mídias sociais, o ser humano passou a ser intermediado pelas publicações expostas digitalmente, elas são ideais digitais: alegria constante, estabilidade financeira invejável, corpos jovens e delineados, destaque profissional permanente, etc. E o sofrimento? E a morte? E o luto? E o envelhecimento? Nada disso! Todos são varridos para debaixo das cortinas da alta performance imposta pelo tecido social. E o que sobra são pessoas com depressão, ansiedade, síndromes e transtornos multifacetados. Sofrer não rima com esconder, luto não é luta.
LUTO É CUIDADO
A dor, antes de qualquer palavra, precisa ser escutada. A expressão dos sentimentos é um caminho para o enlutado mostrar suas angústias, medos e inquietações diante da vida. Embora vivamos sob uma cultura que despreza o choro, pois é tido como sinônimo de fraqueza, isso é falta de conhecimento sobre o assunto, porque ele é um valioso veículo para o alívio da tensão da tristeza extrema. Um abraço, um olhar é mais eficaz do que mil palavras; enfim, o processo do luto é necessário para que o enlutado, da melhor maneira possível, possa ressignificar a perda.