Enchente RS: perdas, traumas e reconstrução

Veja como a IELB enfrentou e se uniu para ajudar os afetados pela pior tragédia climática da história gaúcha

O mês de maio de 2024 ficará na história do povo gaúcho como o marco da maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. O conhecido fenômeno “veranico de maio” foi substituído por uma enxurrada que assolou mais de 90% do estado (478 dos 497 municípios gaúchos). De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as chuvas que caíram sobre Porto Alegre, no dia 27 de maio, superaram todos os recordes históricos desde o início da série histórica em 1910 (inclusive a enchente de 1941). Foram 513,6 milímetros (2024) contra 405,5 milímetros (1941).

Conforme o boletim da Defesa Civil do RS, divulgado no dia 18 de junho, são 388.781 desalojados e 10.485 pessoas ainda em abrigos. O desastre natural causou 177 mortes confirmadas no estado. Pelo menos 806 pessoas se feriram e outras 37 estão desaparecidas.

Além disso, inúmeras estradas afetadas, incontáveis casas destruídas, perdas na agricultura e na infraestrutura básica, deixando um rastro de destruição e sofrimento. Sem contar os valores materiais, pessoais e sentimentais das vítimas. Afinal, a enxurrada não levou só bens materiais, mas muitas histórias e lembranças de um povo conhecido pela hospitalidade e amor à terra e suas tradições.

E quando as pessoas recuperavam seus fôlegos para se reerguerem, arregaçavam as mangas para reconstruir sua vida e suas casas, como um filme, parece que foi acionado o “replay”. Um pouco mais de um mês depois, em meados de junho, um novo alerta à população: mais períodos de chuvas volumosas e risco de inundação de rios. O Vale do Rio Taquari, por exemplo, já contabiliza cinco inundações extremas desde o ano passado. Há localidades totalmente arrasadas e inabitáveis.

Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari

Assim como o solo encharcado não consegue absorver o volume de água, pessoas afetadas não curaram suas feridas, ainda não cicatrizadas, quando a sombra de uma nova tragédia climática se abateu sobre o estado. É incontável também o número de vítimas traumatizadas e que precisarão de muito apoio emocional e espiritual, além de social.

Será um longo caminho, e, pensando nisso, o Vivenciar.net, da Hora Luterana, que inclui psicólogos luteranos, disponibilizou conteúdo de acolhimento, amparo e ajuda para todas as pessoas atingidas de alguma forma pelas enchentes do RS. No site, há também a possibilidade de conversar com alguém da equipe de acolhimento ou ainda deixar registrada sua história e experiência vivida neste momento (acesse aqui).

A equipe da Editora Concórdia, em parceria com a Sociedade Bíblica do Brasil – SBB, mesmo com seu prédio tomado pelas águas da enchente, produziu um material literário sob a ótica bíblica-cristã, para distribuição gratuita e com venda proibida. O objetivo desse conteúdo visa oferecer apoio psicológico e espiritual às crianças vítimas das enchentes ou que precisaram sair de suas casas e de suas rotinas em função da tragédia. O livro Quem cuida de mim está disponível também para download aqui. Esta página foi criada para disponibilizar conteúdo relevante para as crianças neste momento.

Entretanto, o Rio Grande do Sul é terra de gente valente e de corações gigantes. A música “Não tá morto quem peleia”, do grupo gauchesco Os Farrapos, representa bem a bravura e a perseverança do seu povo diante das adversidades. Esse espírito guerreiro e acolhedor comoveu o país inteiro, que se uniu para ajudar o povo gaúcho a enfrentar essa catástrofe. E na IELB não foi diferente!

Acesse aqui o site específico sobre a enchente e saiba como ajudar.

DISTRITOS AFETADOS

As proporções dessa tragédia são catastróficas. Muitas pessoas perderam seus bens, sua casa, sua esperança e, inclusive, familiares e amigos.

Segundo o coordenador do Fundo de Apoio a Projetos (FAPI) e vice-presidente de Ação Social da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), pastor Airton Schroeder, estima-se que somente na região metropolitana de Porto Alegre, RS, por exemplo, cerca de 250 mil domicílios tenham sido afetados. Sem contar as demais regiões do estado, algumas atingidas pela segunda vez em oito meses. Dentre estes, muitas congregações luteranas, pastores e seus membros.

Congregação São João, em Novo Hamburgo

Até agora, sabe-se de 14 templos atingidos de alguma maneira. Alguns em que a água entrou, como é o caso da Congregação Cristo, de Porto Alegre, outros em que a água entrou como enxurrada, como a Congregação Cristo, de Três Coroas, ou outros que estão embaixo d’água, como a Congregação São João, de Novo Hamburgo.

Congregação Cristo, em Porto Alegre

Há congregações que uniram forças para as celebrações cúlticas. “A CEL Cristo, de Porto Alegre, planejou um rodízio de visita e celebração conjunta com congregações da cidade. A CEL São João, da Mathias Velho, celebra junto com a CEL Cristo, de Niterói, ambas em Canoas”, exemplificou o pastor Airton.

Templo em Candelária

Nesse momento, todos os templos já estão acessíveis, mas alguns necessitam de reparos e pintura, especialmente para vencer o mau cheio trazido pelas águas. Mas todos tiveram perdas significativas em móveis, material, instrumentos musicais, materiais de escola bíblica e de culto.

Batina e estola do pastor Orlando Konrad, de Canoas

No dia 7 de maio, a Diretoria da IELB teve uma reunião com pastores e lideranças de todas as regiões e distritos afetados até o momento, orientando que façam um levantamento assim que possível.

Canoas e Eldorado do Sul (região metropolitana de Porto Alegre) e cidades do Vale do Taquari estão entre as mais afetadas. A assessoria de Comunicação da IELB entrou em contato com os conselheiros de todos os distritos da IELB afetados para saber a situação de cada cidade, bem como dos membros e templos da nossa igreja (veja aqui os relatos).

SOS RS

O clima de solidariedade, empatia e amor ao próximo se espalhou pelo país e até no exterior. A dor dos gaúchos hoje é compartilhada por milhões de pessoas que não medem esforços para doar insumos básicos e auxiliar nos abrigos e na reconstrução das cidades, casas e vidas.

Muitas congregações do próprio estado abriram suas portas, e, inclusive pessoas que também foram atingidas, trabalham incansavelmente na separação das doações, na produção de marmitas (refeições prontas) ou nos abrigos.

A Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), em Canoas, transformou-se no maior abrigo do estado, atendendo a mais de 8 mil pessoas. “Essa é a função precípua de uma universidade, não apenas oferecer uma educação de excelência, mas estar a serviço da comunidade. Agora, temos de olhar para a frente e, juntos, reconstruir o Rio Grande do Sul, o qual todos nós amamos. A educação é um dos elementos que vão auxiliar para que possamos sair dessa tragédia fortalecidos, mais resilientes e mais fortes do que quando nós entramos”, destacou o reitor, Thomas Heimann.

Em São Leopoldo, o Seminário Concórdia também é um dos principais pontos de referência. Segundo o diretor, Gerson Linden, durante este período mais crítico decorrente das enchentes em nossa região, houve o acolhimento, no Ginásio do Colégio Luterano Concórdia, de diversas famílias, e, especialmente, pessoas em condições de vulnerabilidade, encaminhadas pelas áreas responsáveis pela saúde e Defesa Civil do município. Além disso, o Corpo de Bombeiros foi atendido com alimentação (café, almoço e jantar) até o ponto em que a própria instituição teve outros meios de ser suprida com as refeições. As doações que vieram na forma de alimentos, material e higiene e roupas foram destinadas às pessoas acolhidas à medida em que retornaram a suas residências. O mesmo aconteceu com os colchões que o Seminário disponibilizou para a Defesa Civil e para o acolhimento das pessoas no Campus. “Estudantes, professores, funcionários e familiares de todos estes estiveram muito envolvidos nas ações de apoio às pessoas aqui acolhidas, bem como em ações fora do Campus sempre que necessário. No retorno gradativo às aulas, fica a certeza de que o amor e a misericórdia de Deus, tão ricamente demonstrados na redenção que temos em Cristo, repercutiu na vida de muitas pessoas, em uma situação que trouxe uma experiência ímpar para os futuros pastores da IELB”, relatou o diretor.

DOAÇÕES

Congregações e distritos Brasil afora estão trabalhando para arrecadar doações de todos os tipos para enviar ao RS. As doações de mantimentos e suprimentos transportadas de outras regiões têm diminuído muito, mas também já abrangem a nova fase. Pastor Airton ressalta que móveis e utilidades do lar são muito bem-vindos neste momento de reabilitação das moradias.

A Igreja Luterana de São Paulo criou um site (acesse aqui) com ações de ajuda de organizações e igrejas luteranas de SP para o RS. Já foram levadas 7,7 toneladas de donativos (água, alimentos, cobertores e materiais literários) a Canoas.

O Distrito Brasil Centro-Oeste está realizando diversas ações para ajudar o RS. Donativos arrecadas nas congregações de Planaltina, Goiânia, Brasília e Taguatinga já foram enviadas, com apoio da Policia Militar, ONG Bloomy e Base Aérea, respectivamente. Também foram enviados mantimentos através do colégio CMO e do CTG de Luís Eduardo Magalhães, BA. Colégios ULBRA Antares (Goiatuba) e Aplicação (Itumbiara) estão com ações ativas na coleta e envio de donativos à sede da ULBRA, em Canoas. Cultos também estão sendo realizados em congregações do DBCO, destinando a oferta para a campanha do Fundo de Resposta a Desastres (FRD) da IELB. “Além de um incentivo a doações diretamente no pix da IELB, estamos nos preparando para auxiliar no que for possível alguma congregação afetada”, disse o líder leigo do DBCO, Eduardo Stahlhoefer.

Paróquias e congregações do Distrito Vale do Guaporé também estão se unindo e se mobilizando em ofertas ao FRD. Além disso, as servas do DIVAGUA realizaram uma campanha de arrecadação de alimentos não perecíveis e donativos que serão recolhidos no Encontro Distrital de Famílias, realizado no dia 2 de junho, na Congregação Ebenézer, de Seringueiras, RO. Segundo o líder leigo do DIVAGUA, Lielson Pinheiro Torres, as doações serão enviadas juntamente com outras arrecadadas pelos irmãos de Pimenta Bueno.

O Distrito Médio-Oeste Catarinense (DIMOCA) também destinou a oferta do Cultão Distrital, realizado no dia 5 de maio, ao FRD. Conforme o conselheiro, pastor Leomir Suhre, o DIMOCA ainda enviou recursos de seu caixa para auxiliar a Congregação de Três Coroas, severamente afetada. E as servas Dicon/Dimoca se mobilizaram e fizeram uma grande campanha de arrecadação de roupas, alimentos, água e valores em forma de pix, que foram enviados para as congregações de Arroio do Meio e Roca Sales. “Muitos congregados fizeram sua ajuda particularmente através do Pix para a IELB. Paróquias e congregações continuam mobilizados e ainda fazendo suas doações através das ofertas em seus cultos e de outras maneiras”, acrescentou.

No Distrito Oeste Catarinense, várias paróquias já ajudaram enviando alimentos, roupas e materiais de limpeza e de higiene através dos voluntários que se reuniram em cada município. Também foram realizadas campanhas e envio em dinheiro para o FRD. E as servas do DIOC lançaram uma campanha de arrecadação de donativos no Congresso Distrital da LSLB, realizado no dia 19 de maio, em Iporã do Oeste.

Além de toda essa mobilização, lembremos que as vítimas precisam de nossas orações! Oremos pelo RS e por todos que têm ajudado a reconstruir o estado, seu povo, sua vida!

COMO AJUDAR

Neste momento desafiador, sua generosidade pode fazer toda a diferença. Com solidariedade e compaixão, vamos mostrar aos nossos irmãos e irmãs que eles não estão sozinhos. Juntos, podemos ajudar a reconstruir sua vida e suas comunidades, trazendo esperança e conforto em tempos de necessidade. Doe qualquer valor para o pix [email protected].

Até o dia 4 de junho, as doações somaram R$ 2.269.931,53, e as destinações feitas na mesma data somaram R$ 1.208.679,98. Segundo o coordenador do FAPI, o Fundo de Resposta a Desastres (FRD) atendeu a todos os pedidos que as congregações fizeram até este momento, seja para reparos de seus templos como para o apoio às congregações. Pastor Airton reforça que todos os recursos são administrados por congregações que atendem as demandas no lugar onde atuam.

O vice-presidente de Ação Social observa que quase todas as congregações lançaram o seu pix e arrecadam doações. “Estimamos que se pode chegar a um milhão de doações nas congregações locais. Há situações de apadrinhamento de congregações por parte de distritos ou paróquias. O que é louvável neste momento de reconstrução”, conclui.

Uma grande parte das congregações está trabalhando com pix direto, recebendo doações e preparando refeições. Até o momento, o Fundo de Resposta a Desastres (FRD) repassou R$ 514.000,00 para manter e aumentar a capacidade de produção de alimentos prontos, retorno às casas e suprimentos de proteção à vida.

Editora Concórdia é atingida por enchente pela segunda vez

Em uma empresa de 100 anos, muitas são as datas marcantes. Na Editora Concórdia, a data de abertura, a escolha e as mudanças de nome, a impressão do primeiro livro, a abertura da loja, a enchente de 1941, a abertura e o fechamento do parque gráfico, a mudança de endereço, o aniversário de 100 anos… e agora! Os dias 3 de maio, quando os colaboradores viram a água subir mais uma vez, e 3 de junho, quando entraram no prédio após as águas baixarem, certamente ficarão marcados na história desta empresa centenária.

Em meio a essa tragédia sem precedentes, que atingiu o Rio Grande do Sul, em que muitas pessoas perderam a vida, a família, a identidade, a casa, a esperança, estava a Editora Concórdia, na avenida Pátria, 466, bairro São Geraldo, Porto Alegre, RS, também severamente atingida mais uma vez. Em 1941, o endereço era outro. E lá na avenida São Pedro, 633, a água também não a poupou. As perdas foram enormes naquele maio de 1941, e são enormes agora também.

Em 1941, a Editora Concórdia teve grandes prejuízos, em mercadorias, maquinários e instalações. O prédio existente teve que ser demolido e construído um novo.

A Editora teve seu auge em termos de expansão material com o nome de Concórdia Artes Gráficas e Embalagens Ltda. Foi um dos maiores parques gráficos do Sul do país na década de 1970. Devido a uma série de fatores, principalmente econômicos, o parque gráfico foi desativado completamente. Mas a Editora continuou funcionando einaugurou uma nova sede na avenida Pátria, em 29 de outubro de 2015. Após mais de 90 anos atendendo na avenida São Pedro, esse foi um importante passo para a Editora Concórdia, visto que o antigo imóvel apresentava problemas estruturais.

Enchente de maio de 2024

No dia 3 de maio, os colaboradores foram avisados pela Defesa Civil de que precisariam deixar o bairro o quanto antes. Subiram para as prateleiras mais altas o que foi possível no momento e acompanharam, pelas câmeras, o nível da água subir, enquanto ainda havia sinal. A angústia foi enorme. Com ela veio o choro, a tristeza e a ansiedade. Além do local de trabalho, as pessoas viram também suas casas ou as de seus amigos e parentes serem invadidas pela água.

Com a entrada na sede, no dia 3 de junho, após as águas baixarem, além de encarar as perdas materiais, os colaboradores também sofreram o impacto emocional por cada livro que a água estragou e pela dedicação e esforço de todos que acabou ficando embaixo das montanhas de livros destruídos. São pessoas que trabalharam com muito amor pela causa do livro e para levar a Palavra de Deus através da literatura para muitas gerações ainda.

O futuro? Ainda ninguém sabe. Assim como muitas empresas que sofreram com a enchente, a Editora Concórdia também precisa calcular os prejuízos e planejar os novos passos.


“Hoje é mais um dia que ficará marcado na história da Editora Concórdia. Mais um entre tantos desta empresa centenária. Mas além disso, é um dia que ficará marcado na minha vida e na dos meus colegas. Não há como explicar. Vai além do que palavras podem expressar.

Hoje “entramos” na sede da Editora depois de um mês. Foi no dia 3 de maio, sexta-feira, que vimos a água subir. A angústia foi surreal. Ainda comentamos que haveria muita coisa pra limpar na semana seguinte. “Doce ilusão” a nossa.

Hoje mais uma vez a Editora me mostrou que está muito além dos livros. Ela é gente! Gente que ama o que faz. Que está lá por um propósito infinitamente maior do que o trabalho.

Entramos juntos! Nossos colegas presencialmente e Mônica e eu por vídeo chamada. Infelizmente não pudemos estar lá. Mas nosso coração, mente e orações estavam. E nossas lágrimas também. E doeu. Doeu demais ver tudo daquele jeito.

São montanhas de livros. De preciosos livros de um conteúdo riquíssimo. O valor é incalculável. E eu não estou falando de dinheiro. Embaixo dos livros tem dedicação, suor, lágrimas, alegrias, sonhos, muitos sonhos. Tem muito trabalho, tem horas de diálogo, de planejamento, de execução. Tem o meu trabalho e dos colegas/amigos com quem divido meus dias.

Ver a nossa editora desse jeito doeu por mim e por cada um que faz ela acontecer. Sem as pessoas que derramaram tantas lágrimas por ela nestes últimos dias, ela não teria como existir. É porque tem pessoas que AMAM essa empresa que ela se manteve em pé até hoje. E só com pessoas que AMAM essa empresa é que ela poderá continuar. Sem isso, é impossível. Não tem como!

Sou grata a Deus por essas pessoas que amam tanto este trabalho, que se dedicam a ele, que sentem a dor legítima de quem perdeu parte de si mesmo. Afinal pra alguns são 40 anos, outros 16 anos, outros 14 anos, outros 10 anos, outros 5 anos, outros 3 anos, outros 2 anos, outros 1 ano, outros 6 meses…de MUITA DEDICAÇÃO E AMOR pelo que fazem. Obrigada Deus por eles, por cada colega. Não tem jeito fácil de passar por isso. Mas tenho certeza de que sem eles, seria ainda mais difícil.”

Daiene Bauer Kühl, em 3 de junho de 2024

Acesse aqui a versão impressa.

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